sábado, 11 de julho de 2009

Um Bilhão de pessoas morrendo de fome e a crise do capital.

Rogério Fernandes Macedo[1]

A crise atual é quase sempre representada por números astronômicos, sobretudo, aqueles referentes à presença redentora do Estado no setor financeiro e produtivo. Mas, nas últimas semanas, o mais espetacular deles vem da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação - FAO – que anunciou que em 2009 o número de pessoas que sofrem pelo flagelo da fome ultrapassará a casa do um bilhão
[2].
A fome acima referida não se trata, exclusivamente, da sensação que precede o momento de uma refeição: aquela que serve de alerta fisiológico, impelindo os indivíduos a buscarem alimento para suprir suas necessidades nutritivas e energéticas. A fome retratada pela FAO é uma questão socioeconômica e deve ser avaliada à luz do desenvolvimento histórico da relação social capital. Estas estatísticas demonstram que imensa parcela da classe trabalhadora mundial não tem condições histórico-concretas de praticar uma dieta qualitativa e quantitativamente adequada às necessidades básicas do organismo humano. Em outras palavras, que levas descomunais de trabalhadores estão morrendo lentamente por não terem como comprar, ou em menor grau, como plantar comida.
A presença sobre a face da Terra de mais de um bilhão de famintos expressa a tragédia decorrente de alguns séculos de produção e reprodução orientadas pelo sistema capitalista. A miséria do trabalhador sempre foi necessária e acompanhou o processo de gênese e mundialização do capitalismo. A sua generalização como regulador universal permitiu à humanidade possibilidades produtivas nunca antes imaginadas. Contudo, elas se deram sob relações sociais de exploração e, portanto, desiguais, alienadas. Em virtude disso, tal processo foi acompanhado pela produção de miséria ampliada. Contraditoriamente, este um bilhão de trabalhadores morrendo de fome possibilita o alcance de níveis inéditos e astronômicos de produção de riqueza. As duas situações resultam da lógica do sistema de produção do capital e se determinam mutuamente.
Barbaramente, o número de famélicos tende neste momento histórico a aumentar, dadas as reações empreendidas pela burguesia mundial para amenizar a brusca queda de seus níveis de acumulação, o que impulsiona a concentração de capital, o aumento da composição orgânica deste e, conseqüentemente, o desemprego. Ou seja, aprofundar a miséria da classe trabalhadora é atualmente imprescindível à produção social capitalista. Tal situação serve de indicativo do esgotamento da capacidade do capitalismo de responder aos problemas desencadeados por sua forma de ser.
Desde o final da década de 1960, a reprodução ampliada do capital foi impulsionada mediante o aprofundamento da dramática miséria do trabalhador, expressa barbaramente nas estatísticas da fome. Esta constatação histórica é base da concepção, segundo a qual o capital está passando por uma crise que, paulatinamente, torna-se estrutural, levando-o a uma depressão continuada. Trata-se da crise estrutural do capital, tal como teorizada por István Mészáros em sua obra Para além do capital
[3], a qual abre a possibilidade histórica de extinção da espécie humana ou da revolução.
De fato, a boa dialética, permite observar que tal situação de miséria acentuada também abre como tendência possível não apenas o fim da humanidade, mas também a sua libertação. A mais premente necessidade histórica é a da realização de uma revolução radical que supere o capital como regulador universal da produção e reprodução social, o que só pode ser feito pelo conjunto da classe trabalhadora, considerada mundialmente. Somente ela tem a potencialidade de desenvolver as imprescindíveis relações sociais cooperadas, em uma sociedade regulada pela vontade consciente dos produtores livremente associados.

Araraquara, 26 de junho de 2009.


[1] Doutorando em Sociologia no programa de pós-graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus Araraquara, sob orientação da professora Livre Docente Maria Orlanda Pinassi. Membro pesquisador do Grupo de Estudos Trabalho, Sociabilidade e Movimentos Sociais, coordenado pela referida professora e do Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos, IBEC.
[2] FAO. 1 020 millones de personas pasan hambre. Roma, 19-06-2009. Disponível em: https://www.fao.org.br/, acesso em: 19/06/2009.
[3] MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Campinas: Boitempo, 2002.