sábado, 18 de novembro de 2017

Um monstro devora a pátria Um monstro devora a pátria, a gosma de seu banquete cai sobre os homens e a geografia. Vai pontilhando o mapa e as biografias com sua democrática mediocridade, incapaz de ser lavada pela nossa mais que secular quarentena de civilidade, nosso altruísmo e alta consciência social, fragmentadas em nossas diferenças, preferências ideológicas e partidaristas. Invencível ameba, o monstro se aloja no coração da noite em que nos devora, noite do império do capital consagrado na escravidão colonial, trevas da desumanidade radical. Vive ali sua perenidade em nódulos malignos até hoje imbatíveis, alheios à nossa ingenuidade de os supormos laváveis, dissolvíveis e perecíveis com o simples andar do tempo. Sobrevive e hoje se reproduz fortalecido na ditadura democrática capitalista que nos desgoverna e envergonha. Ora uma ração para miseráveis, ora um território amazônico para as multinacionais mineradoras, ontem uma barragem que destrói um grande rio e é anistiada, hoje a cassação da anistia dos anistiados políticos, ontem a flexibilização do conceito de trabalho escravo, anteontem a visita intempestiva da policia militar a uma sessão da câmara de Santos quando se discutia direitos humanos, outro dia a câmara de Campinas aprova a “Escola sem partido”, ontem a cessão da base de Alcântara aos gringos acompanhada pela entrega aos monopólios internacionais do oceano de riqueza ainda não calculada do pré-sal, hoje anistia das dívidas dos grandes devedores, ora a liquidação da aposentadoria dos assalariados e seus direitos trabalhistas, ontem a destruição do cerrado que alimenta os aquíferos ao lado da ascensão irresistível da destruição sistemática da floresta amazônica, hoje o suicídio do policialmente humilhado reitor da Universidade Federal de Santa Catarina e assim goteja sucessiva e inexorável, a chuva radiativa sobre o quadro dos dias. Assim somos sugados ao coração do passado, regredidos ao estágio primeiro de nossa inexistência nacional, triturados na moenda escravista dos senhores de terras, gado e gente, impotentes diante do monstro informe. Embora esteja ali, bem diante de nós, visível mas indizível, alheio à desgraça que gera, insensível à devastação que opera e à certeza da acumulação de vasta ruína a ser paga pelas gerações futuras. O monstro é a emancipação de tudo o que nos aliena e escraviza. O monstro se mata com a unidade de todos os que aspiram à libertação de nossa humanidade, por sobre as nossas inevitáveis diferenças, contra as forças poderosas da acumulação de valor que nos mantém encantados no limiar de seu inferno apocalíptico. Dos evangélicos aos umbandistas, do candomblé aos católicos, dos democratas aos nacionalistas, dos protestantes aos kardecistas, da humanidade lgbt aos puritanos, das ordens comunistas e socialistas aos artistas e pedreiros, dos roceiros e peões aos assalariados e miseráveis. Por sobre as religiões e etnias, culturas, ordens profissionais e inclinações artísticas, cosmovisões e ciências, se exige a unidade dos que trabalham de modo a liquidar o monstro que nos devora e que declarou guerra a todas as nossas conquistas emancipatórias, tão duramente alcançadas. A ditadura democrática da burguesia que hoje nos devora nos expõe às inevitáveis consequências da fratura exposta ocorrida entre nossas classes proprietárias, ocorrida no transe desta revolução neoliberal inconclusa, que as novas e novíssimas burguesias, crescidas na seiva multinacional dos monopólios nativos ou associados, promovem contra as antigas e recicladas classes proprietárias geradas na última ditadura civil-militar, majoritárias no parlamento. Seus representantes se digladiam dia a dia na cena do congresso nacional, ambos os lados realizando a guerra contra os trabalhadores, acelerando ao máximo a regressão neocolonial da economia e, de outro, uma delas se salvando do ataque das forças da operação coligada do judiciário e forças midiático-empresariais. Todas corrompidas e alimentadas com o capital dos créditos abundantes e permanentes do extraoficial banco empresarial corruptor. A principal destas consequências será a intervenção dos militares, que saltarão novamente ao palco da república e tentarão nos impor uma nova ordem política e socioeconômica sem a mínima noção de como alcança-la e, pior, alheios às tantas revoluções e contrarrevoluções que trazem em sua cabeça confusa e dividida. Sapatearão e marcharão novamente sobre as nossas cabeças, como sempre nos caçarão e cremarão em seus campos de tortura e nos entregarão, sabe-se lá quando e a que custo, um país renovadamente demolido e pronto para uma nova catástrofe histórica. A segunda e não menos nefasta consequência, é a já notada elevação ao estrelato eleitoral de novos-riquinhos empresários semialfabetizados, de boçais natos e fascistas, mimados pelos mais ricos, ventríloquos de sua miserabilidade. A terceira é o processo da realização do tempo histórico da regressão neocolonial como sendo o da demolição da nação, pois aquela avança enquanto o sentido histórico do capitalismo contemporâneo é o da automação, onde se criam as novas forças produtivas do capital financeiro. Pela primeira vez em nossa história o sentido desta é contrário ao da forma produtiva do capital dominante; a desindustrialização se converte em anti-industrialização. A autoproclamada revolução neoliberal não passa de ser superação ultradireitista da contrarrevolução de 64, momento da demolição capitalista do capitalismo brasileiro e da ascensão do fascismo. É preciso salvar a nação do monstro que a devora. O monstro é a contrarrevolução do capital e sua ditadura ainda democrática. É preciso se opor por todos os meios e imediatamente a esta regressão de modo a construir alta e decisiva muralha, tão desejada quanto inconclusa, com todas as mãos do trabalho, para barrar os bárbaros. A nossa muralha brasileira que emancipe a liberdade e enclausure o ódio colonial e escravocrata, que salve a nação e liberte os trabalhadores para que vivam em paz as suas diferenças na nova pátria da unidade de suas necessidades realizadas e de uma América do Sul reconstruída na paz da soberania, autodeterminação e igualdade. São Paulo, 18 de outubro de 2017. Manifesto do Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos (IBEC)

sexta-feira, 30 de junho de 2017

MANIFESTO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS Paulo Alves de Lima Filho (coordenador geral do IBEC) AS ARTES DO PARAFUSO SEM FIM Os últimos acontecimentos na política nacional adensaram a obscuridade do horizonte próximo. Ao negar-se a julgar a chapa Dilma-Temer, o TSE, liderado por Gilmar Mendes - o amigo dileto do féretro politico presidencial -, estreitou o campo das possibilidades da politica democrática de levar a bom termo o projeto contrarrevolucionário dos negócios, do piorismo. Novos desdobramentos vão se multiplicando como exigência desse processo, ampliando o âmbito de ação do Estado de Exceção. Sempre que isso ocorrer nesta república, se deve olhar para as torres do castelo, onde tremula irredenta e indômita a bandeira da contrarrevolução de 1964, fielmente cultuada e defendida pelas forças armadas nacionais. A contrarrevolução marchou, após a transição transada da gestão civil-militar da ditadura para a exclusividade civil, em duas velocidades e com duas faces, a social e a abismal. A social é polida, cristã popular, democrática, progressiva e melhorista. A abismal é bronca, bandeirante, escravocrata e, logicamente, antidemocrática, regressiva e piorista. Ambas são adeptas de certo anticapitalismo brasileiro pró-capital. O melhorismo quer alterar nossa sociedade através de um processo iterativo, de mudanças sucessivas. O piorismo, contudo, quer transformá-lo, através de uma revolução neoliberal. Seus adeptos dizem isso abertamente. Daí afirmarmos ser o piorismo uma revolução na contrarrevolução. O ritmo da marcha desses dois processos é dado pelos humores da luta de classes. Ela realiza, agora, os sonhos da contrarrevolução de 1964, adiados desde então por diversos motivos nas suas três fases anteriores. Após a abertura democrática, PT e PSDB caminharam de braços dados pelos dois caminhos, o do rio e o da floresta, feito convidados a um quarup, até ocorrer seu divorcio litigioso em 2014. Escandaloso, em antigo tom maior ao estilo lacerdista e com trêmulos tancredistas. A dupla foi traída pela ignorância – o PT se esqueceu de que ainda estávamos nos limites da contrarrevolução de 1964 – e pela soberba – o PSDB julgou poder controlar a dinâmica da revolução na contrarrevolução que ajudara a desencadear. Surpreendentemente, o primeiro governo piorista foi o da própria Dilma. Ao se deparar com a subida íngreme da crise, já imprópria para a marcha lenta melhorista, engatou a marcha acelerada do piorismo com sua politica econômica ortodoxa, já apontada para o abismo. Suicidou-se naturalmente, sem o saber. Sem parceiro, ficou sozinha no baile, abandonada. Outra surpresa foi esse divórcio entre ambas as vertentes do campo do capital, a ruptura irada, definitiva, indignada, veemente, patética, que liquidava o até então estável duopólio do poder. Aquela dupla civilizada da contrarrevolução em processo, seus líderes vindos das praias do lado derrotado em 1964, de um lado o filho dileto de um ramo do antigo nacionalismo militar. De outro, um filho da migração nordestina, ex-metalúrgico do ABC, incensado por jovens sindicalistas, ex-militantes da ultra-esquerda armada, ex-trotskistas e esquerda católica, ex-marxistas e ex-comunistas. Ambos, trânsfugas de papéis ancestrais, enganosamente realizando a realpotik, sob a aura ilusória de quem ocupa espaço politico que carregariam como fardo. Faziam por supor que, caso pudessem, gostariam mesmo era de abraçar abertamente as bandeiras socialistas. Jamais o fizeram, é claro. Jamais o farão. Surpresa após surpresa. Supõe-se que Dilma, ela própria de livre e espontânea vontade, engatou a quarta marcha do piorismo, executando uma politica econômica anti-recessiva ao gosto do capital financeiro, mais especificamente dos grandes bancos nacionais. Antes disso, ainda em 2014, o neto de Tancredo, em nome do PSDB, denuncia publicamente a chapa Dilma-Temer e entra com recurso contra esta no TSE, pedindo sua impugnação. Permaneceríamos na superfície da luta politica, entre suas intrigas e paixões, não fosse a descoberta da Herman Benjamin, juiz relator do voto sobre o recurso do PSDB contra a chapa vencedora nas eleições presidenciais. Ele descobriu, definitivamente, aquilo que fortemente afirmava a nossa crítica materialista: ser a reprodução política de nosso capitalismo da miséria irmã xifópaga da sua reprodução econômica, de modo a ser a primeira delas movida pelos interesses explícitos (extraoficiais e clandestinos para o povo) de um verdadeiro banco de negócios de curto, médio e longo prazo, onde os grupos econômicos mais poderosos aplicam seus capitais (porém, antes de tudo, os subtraídos dos contratos com o estado) nos políticos mais prometedores do espectro político do campo do capital. Uma espécie de caixa de redistribuição de parcela da renda nacional, pública e privada. Redistribuição capitalista, pois obrigada a render bons dividendos. Este conluio fora a forma histórica do funcionamento da economia colonial, do negócio da colônia, no qual estiveram bem abrigadas e embrulhadas todas as classes nela associadas. Agora ficamos sabendo que a república herdaria esse padrão ancestral. Operações obscuras para a esmagadora maioria dos pobres mortais são translúcidas para as elites operadoras da política e economia, em concubinato explícito e perpétuo. Com acerto agora podemos deduzir que todas as etapas da revolução na contrarrevolução, a começar da guinada piorista da presidente, antecedida pelo gambito da dama, seu cerco e subsequente impedimento, emanaram da percepção do campo dos negócios xifópagos, como evolução do cálculo projetado para o melhor futuro destes. Hoje reina a barafunda no campo majoritário. Densa neblina obscurece a marcha da sua revolução, agora sob o controle exclusivo do capital. A aventura irresponsável do golpe parlamentar encontra-se prisioneira do buraco sem fundo dos contratos do banco de negócios da política, sequestrada. Sofremos a ditadura democrática do capital - seu topo capitalista, sua fração jurídico-estatal, sua maioria congressual – afoita para fazer passar a sua regressão salvacionista – as regressivas reformas trabalhista, previdenciária e politica. Evidenciou-se, porém, um detalhe vital: o PSDB - partido do espoleta Aécio Neves, deflagrador da continuidade da revolução regressiva iniciada pela própria presidente – contrariamente ao que supunha, não seria o seu operador, personificado este por Temer e o PMDB. Tal como na contrarrevolução de 1964, Carlos Lacerda, o seu espoleta deflagrador, calibrou a alça de mira alguns graus acima do alvo – permitindo à linha dura militar a sua revolução na contrarrevolução liberal – a revolução piorista também esteve alguns graus abaixo da lucidez. Cá como lá, os espoletas foram atropelados pelas bestas feras que emergiram na noite escura do abismo. O piorismo é abismal, sua genealogia remonta à casa grande, à taba, à senzala, mas, antes delas, não nos esqueçamos, a caminho do abismo mais fundo, estão os quartéis. Se os negócios da política exigiram do PSDB, após a decisão do TSE, ser fiador desta ordem desmilinguida, assim fizeram como recurso precário, pois esse partido é impotente para obrigar a falecida presidência Temer a renunciar, executando um gesto de grandeza incompatível com sua essência. A auto renuncia do STE em julgar a chapa Dilma-Temer, jogou a iniciativa política para a PGR, o executivo e o congresso, nos quais pontificam os funcionários do banco político, os agentes do capital e a bandidagem, com exceção da PGR, queremos crer. A febril sucessão de declarações e entrevistas de FHC e amigos mais próximos, não escondem sua impotência e temor. Impotência teórica de quem brincou de abrir a caixa de Pandora de onde agora, incontiveis, saem os demônios. Temor que procuram esconder, apenas perceptível, a nos alertar para os tropeços do abismo, para o rufar dos tarois como música de fundo para a sua senil perplexidade. O fantasma militar volta a assombrar os limites da democracia brasileira, da ditadura democrática do capital. A formidável descoberta de Herman Benjamin, do banco da reprodução política, não oficial e clandestino para a população brasileira, porém mercado aberto às cúpulas dirigentes do estado, da política e do empresariado (nacional, associado e, se supõe estrangeiro) pulveriza as banalidades de liberais sociais e abismais (e de nacionalistas democratas), que giram em torno de alcançar-se um suposto projeto nacional - ninguém sabe por qual razão escondido a sete chaves -, ou a possibilidade da marcha iterativa resultar em transformação socioeconômica melhorista à revelia dos desígnios do capital. É mais que evidente: a forma histórica da reprodução social capitalista no Brasil é essa, na qual o capitalismo da miséria apresenta xifopagia inquestionável entre os mundos do capital e da politica, de forma que o projeto nacional do capital para o Brasil é esse mesmo. Ele existe e por mais que o campo político do capital e anticapital o detestem, é ele a governar o nosso destino. Não somos o país da corrupção endêmica, cronicamente adoentado na mitologia conservadora, mas o país onde o capital rege com força, constância e permanência a sua reprodução social e peleja com toda a sua força, determinação e denôdo para prosseguir a sua revolução na contrarrevolução. O capital controla todas as relações sociais da nação, é o dirigente máximo da reprodução politica, acomodada entre seus lençóis. É ele que faz girar o parafuso sem fim da nossa história que agora surpreendentemente retorna ao seu ponto de origem. A revolução brasileira que venha a derrotar a contrarrevolução nascida em 1964 e que ponha freio e ponto final nesta imprevista e assustadora revolução piorista, revolução abismal, regressista, neocolonial, antidemocrática, realizadora desta ditadura democrática do capital que nos desgoverna e empurra pirambeira abaixo, só pode ser uma revolução anti-capital. A contrarrevolução de 1964 transformou as Forças Armadas em versão moderna da Captura vigente na 1ª República, tão assustadora nos livros de José Lins do Rego, Bernardo Elis e Mario Palmério – hoje atuando coordenadamente em todo o território nacional sob um único comando central e com força repressiva multiplicada, adestrada no passado ditatorial anterior em ações que vão da perseguição – passando pela prisão, tortura, assassinato e desaparição de corpos – até a cremação dos inimigos (esta fase, pelo que até agora sabemos, ainda não haveria alcançado a perfeição nazista). Fracassado seu projeto revolucionário de alcançar o estágio de forças produtoras e administradoras da vasta potência bélica pretendida para o país, transformaram-se em forças irredentistas, resilientes à democracia, renitentes ao ponto de permanecer formando ideologicamente seus oficiais no amor à contrarrevolução de 1964, a quem a Constituição de 1988 premiou com o artigo 142, que rege serem elas votadas à “(...) defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais(...)”. A televisão, por sua vez, se transformaria (de modo muito especial a TV Globo) no dizer de Paulo Henrique Amorim, em “farol dos piratas”, a pontuar e sinalizar para seus adeptos a escalada dos golpes promovidos e estimulados por ela. Ao lado dos militares, acantonados em suas reduções no território da democracia, em cujas torres se apresentam as bandeiras da contrarrevolução, a mídia, TV à frente, ocupa papel de destaque nos golpes sucessivos que promove, sempre aspirando adequar a reprodução politica ao figurino das exigências do capital, i.e., da contrarrevolução, tal como hoje ocorre. Na concepção da TV Globo, o país transformou-se em imensa delegacia de polícia, em permanente caçada aos bandidos, em geral políticos e empresários corruptores mais o séquito de funcionários destes (doleiros, estafetas, etc., incluídos os políticos em vários níveis da administração pública) como se a prisão de todos fosse alterar o padrão imanente da reprodução politica nacional. Como se todos os demais problemas estruturais nacionais deixassem supostamente de existir e o fim da corrupção fosse, de fato, ademais de possível, panaceia universal para os males nacionais, como sempre ocorre por aqui em todas as contrarrevoluções em fase piorista. Nessa fase se aguça o sentido econômico da contrarrevolução regressiva, o da conquista do mais pleno controle do capital sobre a reprodução social, em detrimento dos trabalhadores, ao liquidar todas ou a maior parte dos controles do trabalho sobre o capital, ou seja, a eliminação do complexo de leis que os regeria. No caso, a Constituição de 1988. Convém precisar: a revolução piorista, ao contrário de suas congêneres fascista e nazista e à semelhança de seu modelo chileno exemplar, expressa o controle do capital financeiro de caráter antinacional, neocolonial, subordinado e antidemocrático. Toda essa sua parentalha, contudo, é assemelhada no que tange aos meios, formas e dinâmica da destruição do complexo legal protetivo do trabalho e dos direitos civis em geral. O caráter econômico da revolução regressiva é o da expansão do capitalismo da miséria, do alcance de um patamar ainda mais elevado e radical de miséria das maiorias nacionais. Esta miséria acrescida, sempre temporária e em eterna extinção na teoria dos economistas pioristas, expressaria o virtuosismo do capital abstrato, sempre a exigir o sangue proletário para alcançar a sua glória. Essa teoria da revolução abismal adoece, contudo, de crônico viés ao esquecimento de que o capital real desses capitalismos, ao ser antinacional, subalterno e neocolonial é exatamente a negação da possibilidade história destas sociedades superarem sua miséria imanente. Não há como reformar o capitalismo da miséria. Sua forma histórica consolidada é essa, passível, contudo, de ser aprofundada pelo piorismo, alternando-se entre espasmos regressivos sucessivos, em resposta a arrancadas melhoristas, sempre sob o comando do parafuso sem fim do capital. Recrudesce neste momento O sonho ancestral da contrarrevolução piorista de criação de um novo capitalismo. Para seus teóricos, estaríamos no limiar de um novo tipo de capitalismo, saindo do capitalismo ”’de compadrio’ para um capitalismo efetivo, de competição” (OESP, 18/06/2017, H6). Pinochet também devia acreditar nesse milagre neoliberal, ao lado de seus brilhantes economistas saídos de fornadas das universidades norte-americanas com suas fantásticas fórmulas abracadabrantes forjadas na ditadura piorista da contrarrevolução chilena depois de impor aos trabalhadores desse país a força de sua repressão disciplinadora, salvadora e genocida. O milagre metafísico do melhorismo - que supôs construir um novo capitalismo e fracassou -, execrado pelas forças regressistas, supostamente se realizaria, então, de fato, para estas, no piorismo neoliberal. Depois das barbaridades produzidas pela teologia neoliberal em todo o mundo, é difícil imaginar que a confraria de seus gênios brasileiros ainda sonhe com essa cirurgia. Só ao capital financeiro interessa manter essa ciranda infernal. Só a revolução democrática poderá desatar esse nó da miséria capitalista, ao estabelecer forte controle social sobre o capital sob o governo das maiorias trabalhadoras. O multissecular controle do capital sobre a reprodução social, da colônia aos nossos dias, é letal para os interesses nacionais e dos trabalhadores. Neste início do século XXI, o futuro que ele nos reserva não é somente o do retrocesso neocolonial deslanchando em marcha forçada e guerra contra os trabalhadores, mas também a liquidação de biomas vitais para a existência da nação, tal como o do complexo amazônico e, nele, do cerrado. A regressão piorista não é somente civilizacional, mas também carrega a ameaça de regressão geológica, de retorno ao pleistoceno, com a reinstalação do deserto em boa parte do território nacional. A manutenção e continuidade do controle do capital sobre a reprodução social é caso de urgente insegurança nacional. A real dimensão da regressão é a da catástrofe nacional, econômica, social, científico-tecnológica e ambiental. Da revolução democrática do campo anticapital se exige desmontar as relações favorecedoras do capital financeiro criadas pela contrarrevolução em sua terceira fase, a da abertura democrática, e retomar o controle sobre este e o capital produtivo, sobre o estado, de modo a criar uma dinâmica emancipadora do complexo de relações determinantes da plena soberania econômica e politica da nação. A democracia daí resultante será, então, necessariamente, impulsada contra o próprio capital. Como bem diz Plinio de Arruda Sampaio Jr, se exige, pois, “"Fim da Lei de Responsabilidade Fiscal", "Controle popular das Reservas Internacionais", "Auditoria Política da Dívida Pública", "Controle democrático sobre o Banco Central", "Abaixo o Plano Real" são as palavras de ordem que dão consequência ao caráter democrático e anti-imperialista de uma agenda de ruptura com o ajuste neoliberal.” (Sampaio Jr. “Primeiramente, fora ajuste”, junho de 2017). Tal programa se realizaria por meio de estratégia de desmonte da descivilização piorista, por meio de uma verdadeira revolução civilizacional que tenha como centro a satisfação das necessidades republicanas das maiorias trabalhadoras, simultânea ao valor absoluto da proteção ambiental - que imporá novos padrões civilizacionais adequados a essa opção - e, por fim, o veio da automação - que reconstrua a produção e reprodução material, assim como outras esferas da reprodução social sem as mazelas socioeconômicas capitalistas. Reconstrução, desse modo, de um novo padrão de desenvolvimento das forças produtivas as mais modernas e adequadas à revolução microeletrônica em curso, sem gerar a tragédia do desemprego estrutural em massa, devastador e descivilizador. Esta, ao gerar o quarto órgão da máquina, impôs ao capital essa nova força produtiva - o órgão de controle - cujo desenvolvimento pleno é impedido pelo capital. Daí a entrada dessa relação na era de sua decadência final, de sua crise estrutural, de catástrofe incontivel a percorrer toda a reprodução social capitalista. Não poderia haver no Brasil melhor situação histórica para a dominação do capital: um ditador democrático no poder executivo, que “como ninguém, aprovou tanta coisa importante em tão pouco tempo”, na precisa formulação de Delfin Netto (OESP, 18/06/2017, H1), cercado de ministros implicados em crimes de vária ordem, com um congresso cuja boa parte de seus representantes também se lustra por igual caráter e com maioria absoluta piorista, comandada pelo banco dos negócios da politica – ou seja, pelo capital financeiro -, com o melhorismo derretido e o campo anticapital com força ínfima. Com a ajuda decisiva do corpo jurídico estatal piorista, as transformações econômicas e sociais exigidas pela revolução na contrarrevolução, é quase certo, virão mesmo a ocorrer. Ao campo anticapital da revolução democrática brasileira se exige sabedoria e habilidade para congregar a todos os impactados pelo capital em nossa particular catástrofe capitalista, em um movimento de emancipação das maiorias nacionais. Ela e somente ela poderá realizar as seculares aspirações republicanas dos trabalhadores, limpar o lixo contrarrevolucionário neocolonial e colocar a nação no limiar da plena soberania econômica e politica, conquistando, assim, um patamar civilizacional compatível com a grandeza dos trabalhadores e do povo brasileiro em geral, capaz, portanto, de enfrentar as nossas desgraças nacionais, a miséria e seu colar de horrores: a violência, os preconceitos, a fome e suas sequelas, a doença, o desamparo, a desesperança e apatia, o analfabetismo, a ciência castrada, a escola deseducadora, a universidade antinacional, a estupidez arrogante, genocida, negocista, larápia e boçal que nos governa. São Paulo, 16 de junho de 2017

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Eles não bateram palmas, não levantaram a voz

Eles não bateram palmas, não levantaram a voz Quando ha poucos dias o bloco lúmpem, fascistóide, sapateou no mesão da Câmara dos Deputados, conclamando o seu máximo personagem Moro e exigiram um general para atendê-los, eles nada disseram. Quando ha três anos Luis Ruffato denunciou o brasileiro capitalismo da miséria na Feira do Livro de Frankfurt, em 8 de outubro de 2013, eles também nada disseram, não bateram palmas, entre ofendidos e perplexos. A ovação, assovios, palmas e exclamações sonoras de apoio ficaram por conta dos estrangeiros. O Brasil oficial não gostou, não gastou suas belas mãos com palmas, sequer sorriu, entre esgar e carranca, na primeira fila assentados, de frente para as câmaras fotográficas de todo o mundo, Temer e Marta seguiram ali impávidos, estáticos nos assentos de suas cadeiras. A crítica de Rufffato arou o solo pútrido da miséria, arejou-o com a brisa úmida da esperança, proclamou a força da emancipação humana, fez vislumbrar futuros de manhãs radiosas. O Brasil do sofrimento das maiorias, que exige tudo transformar, que seriamente chora e ri, é o Brasil da revolução democrática. O Brasil das minorias se cala, sem graça, envergonhado, ódio contido. Vem daí que Moro, Marta e Michel não batam palmas à revolução ou levantem voz de denuncia à contrarrevolução. Isso é de sua natureza. Em seus peitos bate forte um coração contrarrevolucionário, embrulhado no verde dos Bragança e no amarelo dos Habsburgos, prisioneiro da ordem do progresso da miséria secular da eterna ex-colônia. (São Paulo, 24/11/2016). Íntegra da fala de Ruffato na Feira do Livro de Frankfurt, em 8 de outubro de 2013. http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463 Frankfurt, 08 Outubro 2013 | 19h15 "O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças. O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro --é a alteridade que nos confere o sentido de existir--, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença. Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos. Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, artistas plásticos, cineastas, jornalistas, escritores. Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania --moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade--, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém... Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo.  A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos. Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.  Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.  E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução. O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais --ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.  A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior. Mas, temos avançado. A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia - são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas. Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, e sim privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis. Nós somos um país paradoxal. Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo --amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza. Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos... Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida? Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."

A contrarrevolução não pode cortar seus próprios braços

A CONTRARREVOLUÇÃO NÃO PODE CORTAR SEUS PRÓPRIOS BRAÇOS Imaginemos um comando de ativistas comunistas clamando pela instauração imediata, no Brasil, de uma ditadura do proletariado, em pé sobre a mesa central da Câmara dos Deputados, em Brasília. Não haveria, hoje, este silêncio antártico sobre o episódio. Todas as fanfarras da imprensa escrita, falada e audiovisual tocariam em uníssono o hino da liberdade. Haveria um ruído ensurdecedor e a gestação de um clima de comoção nacional. No entanto, um comando fascista, a soldo de quem sabe quais patrocinadores, dançou ontem sua dança macabra sobre o mesão central da Câmara. Hoje reina este silêncio sepulcral. O desespero de Garotinho, sojigado por meganhas da PF à sua maca feito embrulho mal feito, transportado às pressas para ao presídio Bangú, passará despercebido. Será tomado como fato natural desta farsa de guerra contra as elites, como todo bom fascismo fez, faz e seguirá fazendo história afora, sob os aplausos das pequenas burguesias e basbaques de sempre. Passo a passo ou em marcha forçada, pausada ou célere, o dinamismo fascista vai tecendo a sua nova malha oficial sobre a mortalha da democracia da contrarrevolução. O juiz que pode o máximo, mandar à prisão os ex-governadores Garotinho ou Cabral, achou-se incapaz de fazer vigir as normas de confinamento do paciente preso em quarto do Hospital Souza Aguiar e o fez ser arrastado como saco de batatas sobre uma maca, aos gritos de sua mulher, prefeita e sua filha, deputada. Tudo filmado e registrado, exposto na TV, sob o deboche irritado dos comentaristas Globais, unânimes ao constatar a conduta imprópria do réu e seus familiares. Amarrados às cruzes, os condenados nos autos-de-fé, deveriam se comportar com recato e sentido do dever perante as autoridades constituídas, não importa se estas eram desumanas, injustas, cruéis, despóticas e genocidas. De lá para cá os condenados por ideologia desaprenderam a se comportar como réus disciplinados, educados, enfim, civilizados. Nenhum grito de repúdio desde os sertões da Lava Jato, nenhum ato de repúdio vindo da Câmara maculada, nenhuma proclamação à nação ouvida desde os desertos de sabedoria vindos de qualquer dos próceres liberais, tão ardorosamente empenhados na sarabanda democrática contra os infiéis. A ordem reina em Brasília. A contrarrevolução não pode cortar os seus próprios braços, por mais que um deles a desagrade. Sua bandeira caminha impertérrita pelos sertões da pátria, à caça dos novos hereges, para os negócios da colônia, para a grandeza da metrópole, para a riqueza dos conquistadores, para a salvação de seu reino. Enfim, para a ordem e o progresso. (SP, 18/11/2016) GAROTINHO SE DEBATE NA MACA Decidiu o juiz que o excesso de privilégios autoconferidos pelo secretário municipal de Campos dos Goytacazes, recém-preso e, devido às circunstâncias médicas, em seu leito hospitalar no Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, exigiam sua imediata remoção ao presídio de segurança máxima Bangú sei lá que número. Sojigado por meganhas da PF – quantos? Dez, quinze, não soube conta-los com exatidão – a mantê-lo preso à maca na qual o réu se debatia. Os gritos de sua mulher, prefeita de Campos, e de sua filha, deputada estadual, não comoveram o comando médico-policial ou vice versa, não saberia dizer, o qual o meteu a trancos e barrancos dentro da ambulância e tocou célere para o presídio. Em ritmo alucinante, dia a dia, metódica e cruel, a contrarrevolução, em sua quarta fase de vida, vai impondo ao país seu amargo vermífugo, sua nova e pequenina democracia – sua ditadura democrática de classe – vai tecendo a mortalha que nos manterá ainda mais vulneráveis ao massacre econômico e social que a Operação Lava Jato pretende ocultar. Diz que vai nos salvar das lombrigas que nos assolam desde 1500. Desde que os índios, em seu desespero e humilhação de cativos começaram a comer terra para morrer e, assim, se verem livres da salvação, essas lombrigas nos assaltam as entranhas, nos parasitam sem remédio. (SP, 18/11/2016)

domingo, 20 de novembro de 2016

A linha tenebrosa O estado de exceção que nos impõe o fascismo pátrio promove, com o emprego sistemático da mentira e da violência institucional cuja mão enganadora é a Lava Jato, uma longa caminhada pelas trevas. Ela passa, como era de se esperar, pela transformação da arbitrariedade em norma, e esta, em verdade revelada, autoexplicável. Ou seja, passa por ir borrando, lance a lance, a legalidade jurídica anterior e sua substituição pelo arbítrio, transformado este em versão acertada daquela. Garotinho preso e arrancado a muque do hospital, debatendo-se na maca e acompanhado pelo coro de gritos e uivos de sua mulher e filha? Mas ele é mesmo um ladrão, quem não sabe disso? Agora esperneia, mas e o povo que ele lesou não sofreu infinitamente mais?- é opinião de muitos. Os bacanas vão em cana, como passa a rezar uma marchinha de carnaval recém saída do forno. Será? A revolução da contrarrevolução promove o caos organizado, cuja teoria já havia norteado o desmantelamento da URSS. A começar pelo Uzbequistão, a mais exemplar das repúblicas orientais da URSS, iniciou-se uma suposta devassa anti-corrupção com o envio pelo Estado e Partido de dois promotores plenipontenciários que ali promoveram uma desorganização tal, seguida de assemelhadas razzias em outras repúblicas, de modo a permitir que a manobra de conquista do Comitê Central do PCUS pelos neoliberais ocorresse sem maior visibilidade. A falta de conhecimento do que vem ocorrendo no mundo faz com que a Lava Jato seja confundida como salto qualitativo na república. A regressão se fantasia de avanço, eis o truque. Nós caminhamos por esta senda tenebrosa. Mas é de se notar o rápido afrouxamento e ruptura dos pespontos do alinhavado. Calero se demite do ministério, põe a boca no mundo e denuncia Geddel, o Bárbaro. Lewandovsky, prussianamente manda Gilmar Mendes plantar favas em plena sessão do STF. “Me esqueça”, pronuncia. Em seu lugar é posto o prócer Roberto Freire, talvez mais amigo do personagem denunciado por Calero. Enquanto isso, o capital financeiro, bancos à frente, escorcham a pátria e todos os assalariados. São os mestres da nova ordem do progresso. SP, 19/11/2016

quinta-feira, 31 de março de 2016

NOTAS SOBRE A CONJUNTURA- O GOLPE EM MARCHA São Paulo 11/03/2016 Meus caros, agradeço muitíssimo o envio deste trabalho do Iasi (blog da boitempo’ ‘A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose’, 10/03/2016). Preparo uma aula no curso de Movimentos Sociais UNESP-IBEC (enviei-te os materiais, não é?) e o texto me faz penetrar nas dificuldades teóricas desse marxismo. Para encurtar. Sim, o lulismo é uma variante da política pró-capital monopolista (categoria inexistente no texto) e opera no poder, no centro do estado em favor deste. Opera a continuidade da contra-revolução capitalista (outra categoria ausente) em desfavor dos assalariados e conforme à continuidade aprofundada da subordinação imperialista da nação (idem, ibidem). Não se trata exclusivamente de que a burguesia (proprietários monopolistas e de todo o quilate, políticos, sindicalistas, juristas, instancias estatais vitais e pequenos burgueses em geral et caterva, consultores norte-americanos, etc.) deseja estraçalhar seus bonecos por temor de que permaneçam ativos, mas, sim, de que estamos diante de uma estratégia de golpe de estado contra um presidente eleito. Por mais que ele não lhes interesse (os golpistas), muito menos à massa assalariada jogada à moenda da perda ampliada de direitos, trata-se da manutenção de uma forma legal de realização das contradições insanáveis da sociedade do capital, cuja permanência é vital para a continuidade da realização destas. Defender a legalidade é vital, contra a presidente e contra as direitas todas e os democratas de ocasião. Não ha como fechar os olhos para isso. Não se trata de manobras da ultradireita para um golpe palaciano, mas para a liquidação desta democracia que coube até o momento no figurino da transição transada, à porta da qual abandonou-se a luta vital e necessária pela emancipação da classe trabalhadora. Ela rasgou o figurino ao agir e pensar politicamente ao modo fascista. O estado, para seus adeptos e membros orgânicos, deverá ser um objeto das corporações monopolistas (proprietários, sindicatos, partidos da ordem, ordens delinquentes e outros bandidos da ordem) e realizar no parlamento seus desígnios plenos, fora dos quais não poderia haver política. Estamos no limiar de uma nova etapa da contrarevolução continuada, de uma democracia ainda mais restringida, de figurino bulímico e insuportavelmente obesa de prepotência e violência institucional e outras. Estamos mais próximos de Pinochet, do estado ideal do neoliberalismo friedmaniano. Estamos no limiar do fascismo de massas, o que é uma grande novidade. Estamos diante de uma situação inédita, do cerco implacável, coletivo, das classes burguesas e assalariadas corrompidas (estruturas sindicais, etc.), suas representações políticas e sociais no sentido de apear do poder um presidente por eles indesejado, à revelia do voto popular. De outro modo: o bloco ditatorial se reconstitui como força unida e vai sucurizando a presa, ou seja, todos nós e mais o executivo. Este, por sua vez, foi constrangido a fazer a política do capital monopolista contrária à sua matriz proclamada – a do liberalismo social - está pagando o preço da impotência e humilhação pública devido a isso. O bloco golpista comporta o complexo judicial-politico-midiático-econômico dominante, porém (ainda) não governante. Promove a caçada ao Lula como se ele fosse escravo fujão, não havendo limite à sua sanha pretoriana, até pô-lo a ferros e espetar-lhe a língua no aguilhão, passar-lhe as argolas aos tornozelos. Logo ele, homem de batalha pelo capital monopolista nacional, tratado como um borra-botas qualquer, com tantos favores prestados à glória dos super lucros bancários e tantos outros. Mas não estaríamos diante do destino comum a todas as jacqueries, às sublevações armadas ou pacíficas dos pequenos burgueses, estes paladinos da guerra contra as injustiças sociais, cujos sonhos confluem em serem os mais fiéis servidores del Rey, cujas cabeças foram invariavelmente cortadas por estes mesmos senhores? O que haveria de bom nisso, nessa alta politização dos burgueses (infelizmente em detrimento de igual dimensão daquela dos proletários)? Para a história, talvez a abertura da possibilidade de vermos e constatarmos a necessidade absoluta da revolução democrática, aquela abandonada à porta de entrada da transição transada. Sem ela, não ha melhorismo que dê conta desta realidade histórica. Sem a emancipação política das maiorias não há transformação possível. A pequena política dá e sempre deu nisso por aqui, repressão, golpe, desalento, regressão, exílio. E tudo reiniciar-se novamente, como se nada houvéssemos aprendido. 16/03/2016 Bem disse Paulo Henrique Amorim, ao comentar a liberação das transcrições da operação 24 do Lava Jato, mais os áudios de conversas de Lula com Dilma e outros, grampeadas com autorização da justiça, que causaram furor nacional a favor e contra: “Ou Dilma acaba com a Polícia Federal, a qual, junto com Moro, preparam um golpe, ou será derrubada” (algo assim). Minuto seguinte ao ato de Moro, a TV GLOBO noticia, chegam manifestantes à frente do Palácio da Alvorada, juntam-se também nas praças de todo o país. Orquestração perfeita. E dá-lhe entrevistas e comentários indignados com o conteúdo das gravações. Tudo esquentado e turbinado. Alta ansiedade estimulada, os morubixabas pontificam: Merval et caterva. Beirão e cientista político da UFABC opinam bem no Herodoto. A suprema ousadia do Moro e Política Federal, proclamado il duce nas ruas pelos fascistas paulistas e brasileiros em geral, precisa ser punida severamente. 17/03/2016 Lula toma posse e um juiz federal, apoiador explícito do psdb, embarga a posse, aceita liminar contra essa. A fronda burguesa não tem limites, caminha diariamente para o bloqueio do executivo, em escalada para o impedimento. A revolução da contrarrevolução sempre será a contrarevolução, regressão emancipatória. Assim, de regressão em regressão, a contrarevolução vai domesticando o capitalismo da miséria, vai calibrando a democracia possível, impondo os limites da transição aceita pela ditadura e zelosamente acompanhada pelos donos do grande capital e suas lideranças políticas. Como duvidar dos limites dessa ordem, como persistir com a ilusão melhorista? A turba clama por Moro, ao pé da pirâmide da federação dos capitalistas paulistas. Ela quer uma solução radical e imediata, para as dores que a afligem. Quer Lula na prisão e Dilma fora do Planalto. Ela quer a revolução. Mas essa revolução é a da contrarevolução. A pirâmide iluminada, de onde saem camisetas, bandeiras, faixas e patos amarelinhos, além de lanche para a nova Praça Tahir, ostenta, hoje, a faixa “impeachment”. Ontem era “Renuncia”. Ao pé da revolução democrática esquecida, inominada, jogada no quarto escuro das inutilidades, no quarto de despejo, cresceu a flor da revolução da contrarevolução. 26/03/2016 Bela síntese de Nassif (aliás, sempre na mosca). Entretanto, o ímpeto frenético só indica que o pacto se dará sem o bloco da legalidade. Há uma determinação aventureira neste ato da nossa história, desde o dia seguinte após a posse de Dilma. Um frenesi cocainômano, incontível. Quantos e quais os grupos financeiros a soprar as velas do golpe parlamentar? O das armas, o do Senhor (Deus.com), o do pó (quem seriam seus chefes?), o do latifúndio (mais que sabido), dos monopólios (já eruc taram suas idéias), o dos chefes imperiais (CIA, Depto de Estado dos EUA, sabe-se lá quem mais, os de sempre), alguns chefes militares (desconhecidos), os inimigos brasileiros da pátria (Globo, Cerra, o habitante do Boulevar Foch, seus líderes incontestes). Não gosto de discordar, mas o bloco bandido quer mesmo ver o circo pegar fogo. Apostam na força histórica da direita militar, que se alevanta sempre que os liberais terminam suas lambanças golpistas. 29/02/2016 O desmonte da nação ou a revolução da contrarrevolução A questão metodológica central relativa ao golpe parlamentar em curso é derivada da particularidade desta sociedade capitalista em sua subordinação estrutural ao capital monopolista mundial. Daí podermos afirmar que a real economia política do golpe é o desmonte da nação como forma da revolução da contrarrevolução, cujo complexo socioeconômico e, consequentemente, político, não só não foi derrotado na transição transada à democracia dos monopólios como cresceu sob a sombra dos governos democráticos que se sucederam no poder desde 1985. O desmonte da nação é o fundamento da economia política do golpe parlamentar. Requião e Benayon bem salientam este sentido histórico da corrida golpista (Benayon, 2016; Requião, 2016). Trata-se do assalto aos avanços da emancipação social e politica dos trabalhadores e ao coração da produção nacional de valor, de seu núcleo estratégico, mais além do que o séquito de predadores já presenteou o capital privado nos governos democráticos, em especial os do PSDB. E o coração do que restou é a Petrobrás e o complexo de empreiteiras nacionais, centro determinante da economia nacional. Cumpre também salientar as declarações de avanço rumo aos universos da emancipação republicana dos trabalhadores tais como a saúde e a educação, como consta do programa do FMI e do PMDB de Temer (OESP, 27/03/20160), prestes a serem dependurados nos colares de nossos novos colonizadores nacionais e estrangeiros. O complexo político-jurídico-midiático é a alavanca desse processo, tal como ocorreu no desmonte da extinta URSS. O aríete judiciário, conscientemente direcionado, cria o caos necessário para a ação dos piratas da contrarrevolução. Foi assim que na URSS, entre 1983-1984, os inquisidores de Andropov investiram contra o Uzbequistão - transformado em bode expiatório -, criando, desse modo, o caos em toda a nação (RAZZAKOV, 2012). A revolução da contrarrevolução é, no nosso caso, a destruição da ordem socioeconômica vigente, necessária para o trânsito a uma nova ordem do capital, tal como afirmou Flavio Gurgel Rocha (LIMA FILHO, 2016): “Estamos encerrando um ciclo estatizante caracterizado pela criação dos campeões nacionais e por um capitalismo de conluio. Agora será o início de um novo ciclo baseado no livre mercado, cujos protagonistas serão os empresários e a livre-iniciativa. Por isso vejo com bons olhos os empresários estarem saindo da toca. Uma posição arredia do setor poderia retardar esse processo. Manifestações corajosas como as de Pedro Passos [dono da Natura, que pediu a renúncia da presidente em coluna na Folha] e de Lawrence Pih [ex-dono do Moinho Pacífico, que disse que a saída de Dilma é inevitável], passam confiança para a opinião pública. Deixam claro que os empreendedores brasileiros tem condições de assumir a locomotiva desse novo ciclo econômico” (FSP, Mercado, p.A-24, “ Ciclo se esgotou, e país não tem mais tempo a perder”, entrevista de Flavio Gurgel Rocha, 18/03/2016) É uma variante da estratégia do capitalismo do desastre, notado por Klein (Klein, 2006). O colapso da ordem jurídica e econômica predispõe o país, devidamente desinformado e manipulado pela mídia golpista, a aceitar aquela que parece ser a desgraça menor como alternativa ao insuportável caos reinante. Eis a razão do açodamento, parido pela força da volúpia, de onde deriva a pressa incontida, a origem da decretação da morte em vida do mandato da presidente, do seu assassinato político. As burguesias sublevadas estão em guerra. Os piratas se atropelam ante a visão do botim, tal como fizeram seus antepassados aqui aportados para fazer a América ou fugir da perseguição das tropas napoleônicas, no séquito real. Eis a sua suprema oportunidade, esta lhes confere coragem indômita. Conquistar os tesouros maiores, embolsar as joias da coroa, transformarem-se em nababos, mais além, muito mais além dos milhõezinhos já depositados em suas contas ultramarinas pelos bons serviços prestados aos ladrões mais graúdos. Tudo o que até agora amealharam é pouco, é quase nada comparado à glória da plena desnacionalização dos tesouros restantes da pátria. Daí essas miradas transcendentes, postas mais além do horizonte dos pobres mortais naufragados no caos reinante. Daí esse ar de troça, a jocosidade a transparecer em suas bocas contritas, a violência contida em suas frases cortantes e gestos bruscos, decididos. É preciso entendê-los. Eles estão prestes a se tornar donos dos destinos da pátria, revendida por eles aos novos senhores de nossas infinitas desgraças. Eles são as hienas à frente do coletivo dos predadores menores, a secundar o banquete dos felinos maiores. A contrarrevolução cobra agora e permanecerá cobrando os dividendos daqueles que não só a ignoraram como fingiram não se importar com o seu reinado e onipresença. O arrivismo pequeno-burguês será estraçalhado, vítima de sua ignorância e presunção de donos da verdade, de se arvorar em sumo-pontífice do saber moderno. A tragédia maior, contudo, incomensurável, é a do povo brasileiro, de suas maiorias assalariadas, avassaladas em graus inimagináveis de exploração e perdas de direitos, pela fúria das burguesias sublevadas. Elas estão desmontando a nação, vendendo-a ao capital monopolista, isso é o que lhes interessa e não as divagações acadêmicas economicistas. O golpe parlamentar desvenda enfim, para todo o sempre, o caráter antinacional, antipopular, antidemocrático e antipatriótico dessas burguesias neocoloniais travestidas de cumpridoras do rito constitucional, como rezam muitos guardiões da lei dentro e fora do STF. A necessidade imperiosa da revolução democrática é, desse modo, posta na ordem do dia, ou seja, a da realização do complexo republicano de direitos dos trabalhadores – salário, saúde, educação, moradia, transporte, previdência, segurança e lazer – em uníssono com a realização da plena emancipação econômica e politica nacional, impossível de ser alcançada pelas burguesias antinacionais. Os feitores do melhorismo contrarrevolucionário, do neodesenvolvimentismo, permitiram a ascensão da contrarrevolução da ultradireita e do fascismo de massas. Este, como é de seu feitio, tragará a todos e aqueles, em primeiro lugar. Diante desta evidência quem sabe agora abracem a causa da revolução democrática? O capital, suas lideranças politicas, econômicas, jurídicas e midiáticas nacionais e estrangeiras, evidencia pleno controle sobre a reprodução politica e econômica de sua sociedade. A democracia, para eles, ou se adequa aos limites por ele impostos ou deverá ser fechada para balanço. Demonstra para os incrédulos e ignorantes que nada o impedirá de por de joelhos os poderes que ousem enfrenta-lo. O capital é um batalhador incansável e decidido contra os interesses emancipacionistas dos trabalhadores e de toda a humanidade, sempre que seus interesses mediatos e imediatos sejam contrariados. O melhorismo social-liberal neodesenvolvimentista sonhou driblar os vampiros que protegem os inimigos da nação sem acordar a contrarrevolução que ele supunha morta e enterrada. Esta não só levantou-se como também arrastou consigo, feito um tsunami, uma boa parte da insatisfação popular contra ela própria. Permitiu, assim, que o ódio inconsciente à contrarrevolução e suas mazelas – a não realização do complexo dos direitos republicanos e a bastardia corrupta e corruptora da politica burguesa, antes de tudo – fosse capturado e transformado em movimento fascista de massas, em hipostasia revolucionária da contrarrevolução, pele que dela só será arrancada caso as maiorias trabalhadoras desejem, por fim, realizar a sua emancipação e abandonar esta farsa capitalista da revolução da contrarrevolução. Referencias Requião, Roberto “Ponte para o futuro”: análise das consequências das 30 propostas do documento do PMDB para o Brasil” in http://www.conversaafiada.com.br/economia/requiaoprovaoposicaoquerumfmiradical Benayon, Adriano “Império anglo-americano usa Lava Jato para destruir empresas nacionais”, 28 de março de 2016 in http://www.viomundo.com.br/wpcontent/ uploads/2016/03/captura-detela- 2016-03-28-axxs-18.05.24.png Klein, Naomi “Disaster capitalism: how to make money out of misery”, in http://www.theguardian.com/commentisfree/2006/aug/30/comment.hurricanekatrina OESP, 27/03/2016 in http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pmdb-prepara-ajuste-para-cortar-subsidios-e-diminuir-o-gasto-publico,10000023314 RAZZAKOV, Fiodr O caso que destruiu a URSS Moscou, Algoritm, 2012 (em russo). LIMA FILHO, Paulo Alves “A charada da violência contra o PT e seus líderes máximos, que destroça o estável duopólio político até então existente entre o PT e o PSDB, planetas dominantes em torno dos quais giravam os demais satélites partidários, na gestação do fascismo de massas, na célere corrida para o golpe e caça ao Lula, está na afirmação clara e direta da estratégia da contrarevolução, expressa pelas lideranças empresariais. Enfim, pelo capital monopolista dominante. Senão vejamos: “Estamos encerrando um ciclo estatizante caracterizado pela criação dos campeões nacionais e por um capitalismo de conluio. Agora será o início de um novo ciclo baseado no livre mercado, cujos protagonistas serão os empresários e a livre-iniciativa. Por isso vejo com bons olhos os empresários estarem saindo da toca. Uma posição arredia do setor poderia retardar esse processo. Manifestações corajosas como as de Pedro Passos [dono da Natura, que pediu a renúncia da presidente em coluna na Folha] e de Lawrence Pih [ex-dono do Moinho Pacífico, que disse que a saída de Dilma é inevitável], passam confiança para a opinião pública. Deixam claro que os empreendedores brasileiros tem condições de assumir a locomotiva desse novo ciclo econômico” (FSP, Mercado, p.A-24, “ Ciclo se esgotou, e país não tem mais tempo a perder”, entrevista de Flavio Gurgel Rocha, 18/03/2016) Em igual medida já manifestaram-se Serra, Fraga, Pih, e outros. A salvação, para eles, (conforme declaração de José Serra está na ruptura do Mercosul, na privatização da Petrobrás, e, quem sabe, da saúde e da educação. Evidente que tal guinada significaria estreitamento ainda maior da legalidade consentida na democracia, repressão fortalecida, terceirização aprovada e previdência retransformada. Eles supõem ser esse plano dotado de poder milagroso. Os empresários voltariam a investir, o nível de emprego voltaria a subir, a acumulação voltaria a tomar forma industrial mais nítida e pujante. Será? Mas o modelo neoliberal não terá compromissos sociais melhoristas, ao contrário. Não aplicarão a política econômica que tanto criticam agora, embora Dilma tenha abandonado o desenvolvimentismo e abraçado o rentismo. O capital lança-se com furor a uma aventura incapaz de ir além do impeachment. Após ele, o dilúvio. Wanderley Guilherme dos Santos tem razão. Não há saída com o golpismo, a não ser sangue suor e lágrimas. Ora, após o golpe parlamentar, o dilúvio poderia nos colocar muito próximos a uma ditadura a ser administrada pelos de sempre. Aliás, os liberais são especialistas em preparar golpes para os militares.” In ‘Nossa dura caminhada pela história’ 19/03/2016 (mimeo).

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Mais sobre o golpe

(Rogério Fernandes Macedo) Escrevo só para registrar que tenho dúvidas que Michel Temer tenha feito o pronunciamento para suplantar as ambições de Eduardo Cunha. Creio ter sido, além de um aviso geral (logo, também para Cunha), algo mais específico para o PSDB e para o Aécio Neves, em particular. Temer e Aécio disputam a presidência por vias burocráticas distintas, embora tenham algo de semelhante. Por um lado, o golpe burocrático constitucional de Temer nasce da reprovação pelo TCU das contas do primeiro mandato da Dilma. Para dar agilidade a essa via, o operador do golpe, Eduardo Cunha, empenhou-se em estruturar a pauta do fatídico dia 06 de agosto. A partir dela, aprovou-se celeremente as contas das presidências passadas, desde Itamar Franco até Lula. Acompanhei toda a sessão pela TV Câmara: a pauta era 1) tipificação do que vem a ser crime de Terrorismo; 2) Aprovação das contas presidenciais e 3) Votação da vinculação dos salários da AGU, delegados da civil e federais à 90% das remunerações dos ministros do Supremo. A celeridade foi garantida pela presença e pressão dos servidores da AGU e demais, todos interessados no último ponto da pauta: uma situação lastimável e vergonhosa. Notemos que a situação foi muito bem armada pelo Cunha, controlador da estrutura da pauta. Pelos resultados das votações, o presidente da Câmara logrou sucesso ao azeitar o caminho que beneficiaria Temer. Só para registrar: confesso que nunca vi se debater tanto e tão abertamente sobre golpe: o assunto é tratado sem rodeios, com todas as letras e aos berros, principalmente pela situação, a qual gritava a plenos pulmões, denunciando esta estrutura específica do golpe. Por outro lado, existe a outra via burocrática, também constitucional, que segue curso paralelo à anterior, qual seja, aquela que nasce de reprovação pelo TSE das contas da última campanha da Dilma/Temer, por motivo de corrupção, trazida à superfície pela delação premiada de Ricardo Pessoa (UCT). Se essa via se concretiza, o TSE declararia a nulidade da chapa vencedora, bem como dos votos conquistados por ela, restando convocar o segundo colocado na referida campanha: Aécio Neves. Este retomaria aquela situação patente na campanha: a do Brasil dividido latitudinalmente. Certamente, haveria maior possibilidade do que sobrou da militância petista e dos movimentos sociais, mais trabalhadores que votaram no PT, irem para as ruas, contra a ascensão de Aécio Neves. Para muitos, o voto no segundo turno não foi pró Dilma, mas sim um voto na Dilma por ser este contra o Aécio. Essas tensões, mais expressivas nas grandes metrópoles e cidades médias, têm algum potencial desestabilizador, notadamente em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Se é que os apoiadores de Dilma/Temer vão para as ruas, provavelmente as tensões seriam mais elevadas no sudeste e no sul, pois são localidades que concentram a base de apoio de Aécio. Isso exigiria maior repressão policial com alto grau de imprevisibilidade. De fato, um cenário que tende a criar alguma instabilidade, o que não é bom para os negócios, principalmente na ante sala das Olimpíadas, ou seja, dos 40 eventos testes antes do megaevento. Pode ser que isso justifique as declarações em prol da estabilidade, feitas pela FIESP e FIRJAN. No mais, a Nota conjunta cita o possível rebaixamento do grau internacional de investimento para o Brasil: algo inevitável se as tensões se elevarem. Por último, existe uma outra via de golpe, que seria a renúncia da Dilma, seguida de antecipação das eleições, tal como pede parcela do PSDB. Porém, saída não constitucional que não cai muito bem no figurino, por cutucar os brios legalistas das três forças armadas. Trata-se de uma via que exigiria conspiração e articulação com os altos escalões. Não creio que tais setores do PSDB tenham essas cartas na manga. Há de se confirmar. Enfim, vamos conversando. Abraço. Motoca São Paulo, 9 de agosto de 2015