sábado, 18 de novembro de 2017

Um monstro devora a pátria Um monstro devora a pátria, a gosma de seu banquete cai sobre os homens e a geografia. Vai pontilhando o mapa e as biografias com sua democrática mediocridade, incapaz de ser lavada pela nossa mais que secular quarentena de civilidade, nosso altruísmo e alta consciência social, fragmentadas em nossas diferenças, preferências ideológicas e partidaristas. Invencível ameba, o monstro se aloja no coração da noite em que nos devora, noite do império do capital consagrado na escravidão colonial, trevas da desumanidade radical. Vive ali sua perenidade em nódulos malignos até hoje imbatíveis, alheios à nossa ingenuidade de os supormos laváveis, dissolvíveis e perecíveis com o simples andar do tempo. Sobrevive e hoje se reproduz fortalecido na ditadura democrática capitalista que nos desgoverna e envergonha. Ora uma ração para miseráveis, ora um território amazônico para as multinacionais mineradoras, ontem uma barragem que destrói um grande rio e é anistiada, hoje a cassação da anistia dos anistiados políticos, ontem a flexibilização do conceito de trabalho escravo, anteontem a visita intempestiva da policia militar a uma sessão da câmara de Santos quando se discutia direitos humanos, outro dia a câmara de Campinas aprova a “Escola sem partido”, ontem a cessão da base de Alcântara aos gringos acompanhada pela entrega aos monopólios internacionais do oceano de riqueza ainda não calculada do pré-sal, hoje anistia das dívidas dos grandes devedores, ora a liquidação da aposentadoria dos assalariados e seus direitos trabalhistas, ontem a destruição do cerrado que alimenta os aquíferos ao lado da ascensão irresistível da destruição sistemática da floresta amazônica, hoje o suicídio do policialmente humilhado reitor da Universidade Federal de Santa Catarina e assim goteja sucessiva e inexorável, a chuva radiativa sobre o quadro dos dias. Assim somos sugados ao coração do passado, regredidos ao estágio primeiro de nossa inexistência nacional, triturados na moenda escravista dos senhores de terras, gado e gente, impotentes diante do monstro informe. Embora esteja ali, bem diante de nós, visível mas indizível, alheio à desgraça que gera, insensível à devastação que opera e à certeza da acumulação de vasta ruína a ser paga pelas gerações futuras. O monstro é a emancipação de tudo o que nos aliena e escraviza. O monstro se mata com a unidade de todos os que aspiram à libertação de nossa humanidade, por sobre as nossas inevitáveis diferenças, contra as forças poderosas da acumulação de valor que nos mantém encantados no limiar de seu inferno apocalíptico. Dos evangélicos aos umbandistas, do candomblé aos católicos, dos democratas aos nacionalistas, dos protestantes aos kardecistas, da humanidade lgbt aos puritanos, das ordens comunistas e socialistas aos artistas e pedreiros, dos roceiros e peões aos assalariados e miseráveis. Por sobre as religiões e etnias, culturas, ordens profissionais e inclinações artísticas, cosmovisões e ciências, se exige a unidade dos que trabalham de modo a liquidar o monstro que nos devora e que declarou guerra a todas as nossas conquistas emancipatórias, tão duramente alcançadas. A ditadura democrática da burguesia que hoje nos devora nos expõe às inevitáveis consequências da fratura exposta ocorrida entre nossas classes proprietárias, ocorrida no transe desta revolução neoliberal inconclusa, que as novas e novíssimas burguesias, crescidas na seiva multinacional dos monopólios nativos ou associados, promovem contra as antigas e recicladas classes proprietárias geradas na última ditadura civil-militar, majoritárias no parlamento. Seus representantes se digladiam dia a dia na cena do congresso nacional, ambos os lados realizando a guerra contra os trabalhadores, acelerando ao máximo a regressão neocolonial da economia e, de outro, uma delas se salvando do ataque das forças da operação coligada do judiciário e forças midiático-empresariais. Todas corrompidas e alimentadas com o capital dos créditos abundantes e permanentes do extraoficial banco empresarial corruptor. A principal destas consequências será a intervenção dos militares, que saltarão novamente ao palco da república e tentarão nos impor uma nova ordem política e socioeconômica sem a mínima noção de como alcança-la e, pior, alheios às tantas revoluções e contrarrevoluções que trazem em sua cabeça confusa e dividida. Sapatearão e marcharão novamente sobre as nossas cabeças, como sempre nos caçarão e cremarão em seus campos de tortura e nos entregarão, sabe-se lá quando e a que custo, um país renovadamente demolido e pronto para uma nova catástrofe histórica. A segunda e não menos nefasta consequência, é a já notada elevação ao estrelato eleitoral de novos-riquinhos empresários semialfabetizados, de boçais natos e fascistas, mimados pelos mais ricos, ventríloquos de sua miserabilidade. A terceira é o processo da realização do tempo histórico da regressão neocolonial como sendo o da demolição da nação, pois aquela avança enquanto o sentido histórico do capitalismo contemporâneo é o da automação, onde se criam as novas forças produtivas do capital financeiro. Pela primeira vez em nossa história o sentido desta é contrário ao da forma produtiva do capital dominante; a desindustrialização se converte em anti-industrialização. A autoproclamada revolução neoliberal não passa de ser superação ultradireitista da contrarrevolução de 64, momento da demolição capitalista do capitalismo brasileiro e da ascensão do fascismo. É preciso salvar a nação do monstro que a devora. O monstro é a contrarrevolução do capital e sua ditadura ainda democrática. É preciso se opor por todos os meios e imediatamente a esta regressão de modo a construir alta e decisiva muralha, tão desejada quanto inconclusa, com todas as mãos do trabalho, para barrar os bárbaros. A nossa muralha brasileira que emancipe a liberdade e enclausure o ódio colonial e escravocrata, que salve a nação e liberte os trabalhadores para que vivam em paz as suas diferenças na nova pátria da unidade de suas necessidades realizadas e de uma América do Sul reconstruída na paz da soberania, autodeterminação e igualdade. São Paulo, 18 de outubro de 2017. Manifesto do Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos (IBEC)

sexta-feira, 30 de junho de 2017

MANIFESTO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS Paulo Alves de Lima Filho (coordenador geral do IBEC) AS ARTES DO PARAFUSO SEM FIM Os últimos acontecimentos na política nacional adensaram a obscuridade do horizonte próximo. Ao negar-se a julgar a chapa Dilma-Temer, o TSE, liderado por Gilmar Mendes - o amigo dileto do féretro politico presidencial -, estreitou o campo das possibilidades da politica democrática de levar a bom termo o projeto contrarrevolucionário dos negócios, do piorismo. Novos desdobramentos vão se multiplicando como exigência desse processo, ampliando o âmbito de ação do Estado de Exceção. Sempre que isso ocorrer nesta república, se deve olhar para as torres do castelo, onde tremula irredenta e indômita a bandeira da contrarrevolução de 1964, fielmente cultuada e defendida pelas forças armadas nacionais. A contrarrevolução marchou, após a transição transada da gestão civil-militar da ditadura para a exclusividade civil, em duas velocidades e com duas faces, a social e a abismal. A social é polida, cristã popular, democrática, progressiva e melhorista. A abismal é bronca, bandeirante, escravocrata e, logicamente, antidemocrática, regressiva e piorista. Ambas são adeptas de certo anticapitalismo brasileiro pró-capital. O melhorismo quer alterar nossa sociedade através de um processo iterativo, de mudanças sucessivas. O piorismo, contudo, quer transformá-lo, através de uma revolução neoliberal. Seus adeptos dizem isso abertamente. Daí afirmarmos ser o piorismo uma revolução na contrarrevolução. O ritmo da marcha desses dois processos é dado pelos humores da luta de classes. Ela realiza, agora, os sonhos da contrarrevolução de 1964, adiados desde então por diversos motivos nas suas três fases anteriores. Após a abertura democrática, PT e PSDB caminharam de braços dados pelos dois caminhos, o do rio e o da floresta, feito convidados a um quarup, até ocorrer seu divorcio litigioso em 2014. Escandaloso, em antigo tom maior ao estilo lacerdista e com trêmulos tancredistas. A dupla foi traída pela ignorância – o PT se esqueceu de que ainda estávamos nos limites da contrarrevolução de 1964 – e pela soberba – o PSDB julgou poder controlar a dinâmica da revolução na contrarrevolução que ajudara a desencadear. Surpreendentemente, o primeiro governo piorista foi o da própria Dilma. Ao se deparar com a subida íngreme da crise, já imprópria para a marcha lenta melhorista, engatou a marcha acelerada do piorismo com sua politica econômica ortodoxa, já apontada para o abismo. Suicidou-se naturalmente, sem o saber. Sem parceiro, ficou sozinha no baile, abandonada. Outra surpresa foi esse divórcio entre ambas as vertentes do campo do capital, a ruptura irada, definitiva, indignada, veemente, patética, que liquidava o até então estável duopólio do poder. Aquela dupla civilizada da contrarrevolução em processo, seus líderes vindos das praias do lado derrotado em 1964, de um lado o filho dileto de um ramo do antigo nacionalismo militar. De outro, um filho da migração nordestina, ex-metalúrgico do ABC, incensado por jovens sindicalistas, ex-militantes da ultra-esquerda armada, ex-trotskistas e esquerda católica, ex-marxistas e ex-comunistas. Ambos, trânsfugas de papéis ancestrais, enganosamente realizando a realpotik, sob a aura ilusória de quem ocupa espaço politico que carregariam como fardo. Faziam por supor que, caso pudessem, gostariam mesmo era de abraçar abertamente as bandeiras socialistas. Jamais o fizeram, é claro. Jamais o farão. Surpresa após surpresa. Supõe-se que Dilma, ela própria de livre e espontânea vontade, engatou a quarta marcha do piorismo, executando uma politica econômica anti-recessiva ao gosto do capital financeiro, mais especificamente dos grandes bancos nacionais. Antes disso, ainda em 2014, o neto de Tancredo, em nome do PSDB, denuncia publicamente a chapa Dilma-Temer e entra com recurso contra esta no TSE, pedindo sua impugnação. Permaneceríamos na superfície da luta politica, entre suas intrigas e paixões, não fosse a descoberta da Herman Benjamin, juiz relator do voto sobre o recurso do PSDB contra a chapa vencedora nas eleições presidenciais. Ele descobriu, definitivamente, aquilo que fortemente afirmava a nossa crítica materialista: ser a reprodução política de nosso capitalismo da miséria irmã xifópaga da sua reprodução econômica, de modo a ser a primeira delas movida pelos interesses explícitos (extraoficiais e clandestinos para o povo) de um verdadeiro banco de negócios de curto, médio e longo prazo, onde os grupos econômicos mais poderosos aplicam seus capitais (porém, antes de tudo, os subtraídos dos contratos com o estado) nos políticos mais prometedores do espectro político do campo do capital. Uma espécie de caixa de redistribuição de parcela da renda nacional, pública e privada. Redistribuição capitalista, pois obrigada a render bons dividendos. Este conluio fora a forma histórica do funcionamento da economia colonial, do negócio da colônia, no qual estiveram bem abrigadas e embrulhadas todas as classes nela associadas. Agora ficamos sabendo que a república herdaria esse padrão ancestral. Operações obscuras para a esmagadora maioria dos pobres mortais são translúcidas para as elites operadoras da política e economia, em concubinato explícito e perpétuo. Com acerto agora podemos deduzir que todas as etapas da revolução na contrarrevolução, a começar da guinada piorista da presidente, antecedida pelo gambito da dama, seu cerco e subsequente impedimento, emanaram da percepção do campo dos negócios xifópagos, como evolução do cálculo projetado para o melhor futuro destes. Hoje reina a barafunda no campo majoritário. Densa neblina obscurece a marcha da sua revolução, agora sob o controle exclusivo do capital. A aventura irresponsável do golpe parlamentar encontra-se prisioneira do buraco sem fundo dos contratos do banco de negócios da política, sequestrada. Sofremos a ditadura democrática do capital - seu topo capitalista, sua fração jurídico-estatal, sua maioria congressual – afoita para fazer passar a sua regressão salvacionista – as regressivas reformas trabalhista, previdenciária e politica. Evidenciou-se, porém, um detalhe vital: o PSDB - partido do espoleta Aécio Neves, deflagrador da continuidade da revolução regressiva iniciada pela própria presidente – contrariamente ao que supunha, não seria o seu operador, personificado este por Temer e o PMDB. Tal como na contrarrevolução de 1964, Carlos Lacerda, o seu espoleta deflagrador, calibrou a alça de mira alguns graus acima do alvo – permitindo à linha dura militar a sua revolução na contrarrevolução liberal – a revolução piorista também esteve alguns graus abaixo da lucidez. Cá como lá, os espoletas foram atropelados pelas bestas feras que emergiram na noite escura do abismo. O piorismo é abismal, sua genealogia remonta à casa grande, à taba, à senzala, mas, antes delas, não nos esqueçamos, a caminho do abismo mais fundo, estão os quartéis. Se os negócios da política exigiram do PSDB, após a decisão do TSE, ser fiador desta ordem desmilinguida, assim fizeram como recurso precário, pois esse partido é impotente para obrigar a falecida presidência Temer a renunciar, executando um gesto de grandeza incompatível com sua essência. A auto renuncia do STE em julgar a chapa Dilma-Temer, jogou a iniciativa política para a PGR, o executivo e o congresso, nos quais pontificam os funcionários do banco político, os agentes do capital e a bandidagem, com exceção da PGR, queremos crer. A febril sucessão de declarações e entrevistas de FHC e amigos mais próximos, não escondem sua impotência e temor. Impotência teórica de quem brincou de abrir a caixa de Pandora de onde agora, incontiveis, saem os demônios. Temor que procuram esconder, apenas perceptível, a nos alertar para os tropeços do abismo, para o rufar dos tarois como música de fundo para a sua senil perplexidade. O fantasma militar volta a assombrar os limites da democracia brasileira, da ditadura democrática do capital. A formidável descoberta de Herman Benjamin, do banco da reprodução política, não oficial e clandestino para a população brasileira, porém mercado aberto às cúpulas dirigentes do estado, da política e do empresariado (nacional, associado e, se supõe estrangeiro) pulveriza as banalidades de liberais sociais e abismais (e de nacionalistas democratas), que giram em torno de alcançar-se um suposto projeto nacional - ninguém sabe por qual razão escondido a sete chaves -, ou a possibilidade da marcha iterativa resultar em transformação socioeconômica melhorista à revelia dos desígnios do capital. É mais que evidente: a forma histórica da reprodução social capitalista no Brasil é essa, na qual o capitalismo da miséria apresenta xifopagia inquestionável entre os mundos do capital e da politica, de forma que o projeto nacional do capital para o Brasil é esse mesmo. Ele existe e por mais que o campo político do capital e anticapital o detestem, é ele a governar o nosso destino. Não somos o país da corrupção endêmica, cronicamente adoentado na mitologia conservadora, mas o país onde o capital rege com força, constância e permanência a sua reprodução social e peleja com toda a sua força, determinação e denôdo para prosseguir a sua revolução na contrarrevolução. O capital controla todas as relações sociais da nação, é o dirigente máximo da reprodução politica, acomodada entre seus lençóis. É ele que faz girar o parafuso sem fim da nossa história que agora surpreendentemente retorna ao seu ponto de origem. A revolução brasileira que venha a derrotar a contrarrevolução nascida em 1964 e que ponha freio e ponto final nesta imprevista e assustadora revolução piorista, revolução abismal, regressista, neocolonial, antidemocrática, realizadora desta ditadura democrática do capital que nos desgoverna e empurra pirambeira abaixo, só pode ser uma revolução anti-capital. A contrarrevolução de 1964 transformou as Forças Armadas em versão moderna da Captura vigente na 1ª República, tão assustadora nos livros de José Lins do Rego, Bernardo Elis e Mario Palmério – hoje atuando coordenadamente em todo o território nacional sob um único comando central e com força repressiva multiplicada, adestrada no passado ditatorial anterior em ações que vão da perseguição – passando pela prisão, tortura, assassinato e desaparição de corpos – até a cremação dos inimigos (esta fase, pelo que até agora sabemos, ainda não haveria alcançado a perfeição nazista). Fracassado seu projeto revolucionário de alcançar o estágio de forças produtoras e administradoras da vasta potência bélica pretendida para o país, transformaram-se em forças irredentistas, resilientes à democracia, renitentes ao ponto de permanecer formando ideologicamente seus oficiais no amor à contrarrevolução de 1964, a quem a Constituição de 1988 premiou com o artigo 142, que rege serem elas votadas à “(...) defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais(...)”. A televisão, por sua vez, se transformaria (de modo muito especial a TV Globo) no dizer de Paulo Henrique Amorim, em “farol dos piratas”, a pontuar e sinalizar para seus adeptos a escalada dos golpes promovidos e estimulados por ela. Ao lado dos militares, acantonados em suas reduções no território da democracia, em cujas torres se apresentam as bandeiras da contrarrevolução, a mídia, TV à frente, ocupa papel de destaque nos golpes sucessivos que promove, sempre aspirando adequar a reprodução politica ao figurino das exigências do capital, i.e., da contrarrevolução, tal como hoje ocorre. Na concepção da TV Globo, o país transformou-se em imensa delegacia de polícia, em permanente caçada aos bandidos, em geral políticos e empresários corruptores mais o séquito de funcionários destes (doleiros, estafetas, etc., incluídos os políticos em vários níveis da administração pública) como se a prisão de todos fosse alterar o padrão imanente da reprodução politica nacional. Como se todos os demais problemas estruturais nacionais deixassem supostamente de existir e o fim da corrupção fosse, de fato, ademais de possível, panaceia universal para os males nacionais, como sempre ocorre por aqui em todas as contrarrevoluções em fase piorista. Nessa fase se aguça o sentido econômico da contrarrevolução regressiva, o da conquista do mais pleno controle do capital sobre a reprodução social, em detrimento dos trabalhadores, ao liquidar todas ou a maior parte dos controles do trabalho sobre o capital, ou seja, a eliminação do complexo de leis que os regeria. No caso, a Constituição de 1988. Convém precisar: a revolução piorista, ao contrário de suas congêneres fascista e nazista e à semelhança de seu modelo chileno exemplar, expressa o controle do capital financeiro de caráter antinacional, neocolonial, subordinado e antidemocrático. Toda essa sua parentalha, contudo, é assemelhada no que tange aos meios, formas e dinâmica da destruição do complexo legal protetivo do trabalho e dos direitos civis em geral. O caráter econômico da revolução regressiva é o da expansão do capitalismo da miséria, do alcance de um patamar ainda mais elevado e radical de miséria das maiorias nacionais. Esta miséria acrescida, sempre temporária e em eterna extinção na teoria dos economistas pioristas, expressaria o virtuosismo do capital abstrato, sempre a exigir o sangue proletário para alcançar a sua glória. Essa teoria da revolução abismal adoece, contudo, de crônico viés ao esquecimento de que o capital real desses capitalismos, ao ser antinacional, subalterno e neocolonial é exatamente a negação da possibilidade história destas sociedades superarem sua miséria imanente. Não há como reformar o capitalismo da miséria. Sua forma histórica consolidada é essa, passível, contudo, de ser aprofundada pelo piorismo, alternando-se entre espasmos regressivos sucessivos, em resposta a arrancadas melhoristas, sempre sob o comando do parafuso sem fim do capital. Recrudesce neste momento O sonho ancestral da contrarrevolução piorista de criação de um novo capitalismo. Para seus teóricos, estaríamos no limiar de um novo tipo de capitalismo, saindo do capitalismo ”’de compadrio’ para um capitalismo efetivo, de competição” (OESP, 18/06/2017, H6). Pinochet também devia acreditar nesse milagre neoliberal, ao lado de seus brilhantes economistas saídos de fornadas das universidades norte-americanas com suas fantásticas fórmulas abracadabrantes forjadas na ditadura piorista da contrarrevolução chilena depois de impor aos trabalhadores desse país a força de sua repressão disciplinadora, salvadora e genocida. O milagre metafísico do melhorismo - que supôs construir um novo capitalismo e fracassou -, execrado pelas forças regressistas, supostamente se realizaria, então, de fato, para estas, no piorismo neoliberal. Depois das barbaridades produzidas pela teologia neoliberal em todo o mundo, é difícil imaginar que a confraria de seus gênios brasileiros ainda sonhe com essa cirurgia. Só ao capital financeiro interessa manter essa ciranda infernal. Só a revolução democrática poderá desatar esse nó da miséria capitalista, ao estabelecer forte controle social sobre o capital sob o governo das maiorias trabalhadoras. O multissecular controle do capital sobre a reprodução social, da colônia aos nossos dias, é letal para os interesses nacionais e dos trabalhadores. Neste início do século XXI, o futuro que ele nos reserva não é somente o do retrocesso neocolonial deslanchando em marcha forçada e guerra contra os trabalhadores, mas também a liquidação de biomas vitais para a existência da nação, tal como o do complexo amazônico e, nele, do cerrado. A regressão piorista não é somente civilizacional, mas também carrega a ameaça de regressão geológica, de retorno ao pleistoceno, com a reinstalação do deserto em boa parte do território nacional. A manutenção e continuidade do controle do capital sobre a reprodução social é caso de urgente insegurança nacional. A real dimensão da regressão é a da catástrofe nacional, econômica, social, científico-tecnológica e ambiental. Da revolução democrática do campo anticapital se exige desmontar as relações favorecedoras do capital financeiro criadas pela contrarrevolução em sua terceira fase, a da abertura democrática, e retomar o controle sobre este e o capital produtivo, sobre o estado, de modo a criar uma dinâmica emancipadora do complexo de relações determinantes da plena soberania econômica e politica da nação. A democracia daí resultante será, então, necessariamente, impulsada contra o próprio capital. Como bem diz Plinio de Arruda Sampaio Jr, se exige, pois, “"Fim da Lei de Responsabilidade Fiscal", "Controle popular das Reservas Internacionais", "Auditoria Política da Dívida Pública", "Controle democrático sobre o Banco Central", "Abaixo o Plano Real" são as palavras de ordem que dão consequência ao caráter democrático e anti-imperialista de uma agenda de ruptura com o ajuste neoliberal.” (Sampaio Jr. “Primeiramente, fora ajuste”, junho de 2017). Tal programa se realizaria por meio de estratégia de desmonte da descivilização piorista, por meio de uma verdadeira revolução civilizacional que tenha como centro a satisfação das necessidades republicanas das maiorias trabalhadoras, simultânea ao valor absoluto da proteção ambiental - que imporá novos padrões civilizacionais adequados a essa opção - e, por fim, o veio da automação - que reconstrua a produção e reprodução material, assim como outras esferas da reprodução social sem as mazelas socioeconômicas capitalistas. Reconstrução, desse modo, de um novo padrão de desenvolvimento das forças produtivas as mais modernas e adequadas à revolução microeletrônica em curso, sem gerar a tragédia do desemprego estrutural em massa, devastador e descivilizador. Esta, ao gerar o quarto órgão da máquina, impôs ao capital essa nova força produtiva - o órgão de controle - cujo desenvolvimento pleno é impedido pelo capital. Daí a entrada dessa relação na era de sua decadência final, de sua crise estrutural, de catástrofe incontivel a percorrer toda a reprodução social capitalista. Não poderia haver no Brasil melhor situação histórica para a dominação do capital: um ditador democrático no poder executivo, que “como ninguém, aprovou tanta coisa importante em tão pouco tempo”, na precisa formulação de Delfin Netto (OESP, 18/06/2017, H1), cercado de ministros implicados em crimes de vária ordem, com um congresso cuja boa parte de seus representantes também se lustra por igual caráter e com maioria absoluta piorista, comandada pelo banco dos negócios da politica – ou seja, pelo capital financeiro -, com o melhorismo derretido e o campo anticapital com força ínfima. Com a ajuda decisiva do corpo jurídico estatal piorista, as transformações econômicas e sociais exigidas pela revolução na contrarrevolução, é quase certo, virão mesmo a ocorrer. Ao campo anticapital da revolução democrática brasileira se exige sabedoria e habilidade para congregar a todos os impactados pelo capital em nossa particular catástrofe capitalista, em um movimento de emancipação das maiorias nacionais. Ela e somente ela poderá realizar as seculares aspirações republicanas dos trabalhadores, limpar o lixo contrarrevolucionário neocolonial e colocar a nação no limiar da plena soberania econômica e politica, conquistando, assim, um patamar civilizacional compatível com a grandeza dos trabalhadores e do povo brasileiro em geral, capaz, portanto, de enfrentar as nossas desgraças nacionais, a miséria e seu colar de horrores: a violência, os preconceitos, a fome e suas sequelas, a doença, o desamparo, a desesperança e apatia, o analfabetismo, a ciência castrada, a escola deseducadora, a universidade antinacional, a estupidez arrogante, genocida, negocista, larápia e boçal que nos governa. São Paulo, 16 de junho de 2017