sábado, 18 de novembro de 2017

Um monstro devora a pátria Um monstro devora a pátria, a gosma de seu banquete cai sobre os homens e a geografia. Vai pontilhando o mapa e as biografias com sua democrática mediocridade, incapaz de ser lavada pela nossa mais que secular quarentena de civilidade, nosso altruísmo e alta consciência social, fragmentadas em nossas diferenças, preferências ideológicas e partidaristas. Invencível ameba, o monstro se aloja no coração da noite em que nos devora, noite do império do capital consagrado na escravidão colonial, trevas da desumanidade radical. Vive ali sua perenidade em nódulos malignos até hoje imbatíveis, alheios à nossa ingenuidade de os supormos laváveis, dissolvíveis e perecíveis com o simples andar do tempo. Sobrevive e hoje se reproduz fortalecido na ditadura democrática capitalista que nos desgoverna e envergonha. Ora uma ração para miseráveis, ora um território amazônico para as multinacionais mineradoras, ontem uma barragem que destrói um grande rio e é anistiada, hoje a cassação da anistia dos anistiados políticos, ontem a flexibilização do conceito de trabalho escravo, anteontem a visita intempestiva da policia militar a uma sessão da câmara de Santos quando se discutia direitos humanos, outro dia a câmara de Campinas aprova a “Escola sem partido”, ontem a cessão da base de Alcântara aos gringos acompanhada pela entrega aos monopólios internacionais do oceano de riqueza ainda não calculada do pré-sal, hoje anistia das dívidas dos grandes devedores, ora a liquidação da aposentadoria dos assalariados e seus direitos trabalhistas, ontem a destruição do cerrado que alimenta os aquíferos ao lado da ascensão irresistível da destruição sistemática da floresta amazônica, hoje o suicídio do policialmente humilhado reitor da Universidade Federal de Santa Catarina e assim goteja sucessiva e inexorável, a chuva radiativa sobre o quadro dos dias. Assim somos sugados ao coração do passado, regredidos ao estágio primeiro de nossa inexistência nacional, triturados na moenda escravista dos senhores de terras, gado e gente, impotentes diante do monstro informe. Embora esteja ali, bem diante de nós, visível mas indizível, alheio à desgraça que gera, insensível à devastação que opera e à certeza da acumulação de vasta ruína a ser paga pelas gerações futuras. O monstro é a emancipação de tudo o que nos aliena e escraviza. O monstro se mata com a unidade de todos os que aspiram à libertação de nossa humanidade, por sobre as nossas inevitáveis diferenças, contra as forças poderosas da acumulação de valor que nos mantém encantados no limiar de seu inferno apocalíptico. Dos evangélicos aos umbandistas, do candomblé aos católicos, dos democratas aos nacionalistas, dos protestantes aos kardecistas, da humanidade lgbt aos puritanos, das ordens comunistas e socialistas aos artistas e pedreiros, dos roceiros e peões aos assalariados e miseráveis. Por sobre as religiões e etnias, culturas, ordens profissionais e inclinações artísticas, cosmovisões e ciências, se exige a unidade dos que trabalham de modo a liquidar o monstro que nos devora e que declarou guerra a todas as nossas conquistas emancipatórias, tão duramente alcançadas. A ditadura democrática da burguesia que hoje nos devora nos expõe às inevitáveis consequências da fratura exposta ocorrida entre nossas classes proprietárias, ocorrida no transe desta revolução neoliberal inconclusa, que as novas e novíssimas burguesias, crescidas na seiva multinacional dos monopólios nativos ou associados, promovem contra as antigas e recicladas classes proprietárias geradas na última ditadura civil-militar, majoritárias no parlamento. Seus representantes se digladiam dia a dia na cena do congresso nacional, ambos os lados realizando a guerra contra os trabalhadores, acelerando ao máximo a regressão neocolonial da economia e, de outro, uma delas se salvando do ataque das forças da operação coligada do judiciário e forças midiático-empresariais. Todas corrompidas e alimentadas com o capital dos créditos abundantes e permanentes do extraoficial banco empresarial corruptor. A principal destas consequências será a intervenção dos militares, que saltarão novamente ao palco da república e tentarão nos impor uma nova ordem política e socioeconômica sem a mínima noção de como alcança-la e, pior, alheios às tantas revoluções e contrarrevoluções que trazem em sua cabeça confusa e dividida. Sapatearão e marcharão novamente sobre as nossas cabeças, como sempre nos caçarão e cremarão em seus campos de tortura e nos entregarão, sabe-se lá quando e a que custo, um país renovadamente demolido e pronto para uma nova catástrofe histórica. A segunda e não menos nefasta consequência, é a já notada elevação ao estrelato eleitoral de novos-riquinhos empresários semialfabetizados, de boçais natos e fascistas, mimados pelos mais ricos, ventríloquos de sua miserabilidade. A terceira é o processo da realização do tempo histórico da regressão neocolonial como sendo o da demolição da nação, pois aquela avança enquanto o sentido histórico do capitalismo contemporâneo é o da automação, onde se criam as novas forças produtivas do capital financeiro. Pela primeira vez em nossa história o sentido desta é contrário ao da forma produtiva do capital dominante; a desindustrialização se converte em anti-industrialização. A autoproclamada revolução neoliberal não passa de ser superação ultradireitista da contrarrevolução de 64, momento da demolição capitalista do capitalismo brasileiro e da ascensão do fascismo. É preciso salvar a nação do monstro que a devora. O monstro é a contrarrevolução do capital e sua ditadura ainda democrática. É preciso se opor por todos os meios e imediatamente a esta regressão de modo a construir alta e decisiva muralha, tão desejada quanto inconclusa, com todas as mãos do trabalho, para barrar os bárbaros. A nossa muralha brasileira que emancipe a liberdade e enclausure o ódio colonial e escravocrata, que salve a nação e liberte os trabalhadores para que vivam em paz as suas diferenças na nova pátria da unidade de suas necessidades realizadas e de uma América do Sul reconstruída na paz da soberania, autodeterminação e igualdade. São Paulo, 18 de outubro de 2017. Manifesto do Instituto Brasileiro de Estudos Contemporâneos (IBEC)