quarta-feira, 15 de julho de 2009

Metodologia e Fio da História

Marcelo Micke Doti

Uma das principais questões a serem respondidas por todos os teóricos que tem na história sua própria forma de existência são as conexões e articulações entre os múltiplos acontecimentos no tempo, no espaço e em instâncias diferentes do fazer social e de produção da realidade. Por exemplo, uma teoria do imperialismo deve saber conectar os muitos elos de articulação e determinações as mais distantes entre uma tomada de decisão da OMC e a exploração de trabalhadores do sudeste asiático. Também, ainda no caso do imperialismo, saber articular a dinâmica de uma decisão política interna a um país – como o caso da empresa que irá ser formada para o pré-sal e as empresas que o poderão extrair na forma de participação, sem definir ainda como será essa participação (ver Folha de São Paulo, 14 de julho de 2009, caderno Dinheiro) – com a reprodução do capital internacional.

Nem se precisa dizer que as articulações com as questões militares são intensas e das mais importantes uma vez que qualquer definição e conceituação de imperialismo deve conter o elemento de poder e força militar. Na atualidade, no entanto, essa força militar não necessita da conquista e do domínio dos espaços na forma de colônias como foi no passado: o controle do espaço pode ser feito de formas mais eficientes e na forma-democracia.

Veja o livro de Chalmers Johnson, As Aflições do Império, que sustenta muito bem a ideia do império americano como um império de bases militares. Trata-se de um império tipicamente pós-moderno: um império de redes. Neste sentido o livro de Magdoff, A Era do Imperialismo, também contém dados que possibilitam formular o conceito atual de imperialismo na forma diferente do “imperialismo clássico”, ou seja, na qual territórios não precisam ser necessariamente subordinados à invasão militar (ainda que isso seja recorrente, afinal o militarismo é determinante, como referido acima, de qualquer definição de imperialismo). Também Harvey fornece pistas interessantes ao tentar elevar o conceito de acumulação primitiva a conceito universal no capitalismo (o universal em sentido metodológico se refere àquilo que vai além de explicação particular). Algo já feito também por Rosa Luxemburgo em A Acumulação de Capital.

Mas a questão metodológica foi tão somente exemplificada na forma do conceito de imperialismo. Como se anuncia no início do fio da história deve-se buscar a ligação de fatos e personagens para compreender a dinâmica histórica. Assim: “Seguir o fio da história, descobrir as relações entre personagens e processos, a dinâmica da história e das transformações”. Portanto cada fato e mesmo a posição histórica de cada personagem revela o conteúdo e o sentido da história. Descobrir a mesma é ter a “paixão pelo real”. Trata-se de metodologia que consiga tomar todos os fatos singulares, acumular todos os fatos necessários ao entendimento da realidade. No entanto esse processo de catalogar seria meramente obra enciclopédica que nada nos proporciona. Útil, mas não fornece compreensão e possibilidade de entender as potencialidades e frinchas da realidade para a transformação. Neste ponto é que todas as singularidades devem se elevar ao concreto pensado por meio das determinações fundamentais na totalidade. Contar a história nesse nível é fazer a articulação dos múltiplos elos das classes e seus interesses.

A roda não precisa ser reinventada aqui: Marx forneceu essas pistas ao nos falar no posfácio à segunda edição alemã de O Capital que esse é o método preciso: fazer todas as leituras e catalogar todos os fatos necessários. A exposição é o momento do método que nos leva a articular os fatos para além do trabalho de enciclopedista e, uma fez conseguida a adequada exposição, parecerá que tudo foi concebido a priori, como puro fruto mental, Atena saindo da cabeça de Zeus. Nada disso está sendo tratado aqui, mas tão somente um método que reúne na categoria do conhecimento da totalidade todos os fatos singulares em seus devidos momentos reais (ontológicos) de importância. E isso só é possível na medida em que se conhecem as principais categorias que estruturam a realidade.

Esse é o “fardo histórico” que deve conduzir a entender cada momento e a importância de cada um deles para se fazer a teoria totalmente colada à história sob pena de sermos queimados à 232ºC.