sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Mais sobre o golpe

(Rogério Fernandes Macedo) Escrevo só para registrar que tenho dúvidas que Michel Temer tenha feito o pronunciamento para suplantar as ambições de Eduardo Cunha. Creio ter sido, além de um aviso geral (logo, também para Cunha), algo mais específico para o PSDB e para o Aécio Neves, em particular. Temer e Aécio disputam a presidência por vias burocráticas distintas, embora tenham algo de semelhante. Por um lado, o golpe burocrático constitucional de Temer nasce da reprovação pelo TCU das contas do primeiro mandato da Dilma. Para dar agilidade a essa via, o operador do golpe, Eduardo Cunha, empenhou-se em estruturar a pauta do fatídico dia 06 de agosto. A partir dela, aprovou-se celeremente as contas das presidências passadas, desde Itamar Franco até Lula. Acompanhei toda a sessão pela TV Câmara: a pauta era 1) tipificação do que vem a ser crime de Terrorismo; 2) Aprovação das contas presidenciais e 3) Votação da vinculação dos salários da AGU, delegados da civil e federais à 90% das remunerações dos ministros do Supremo. A celeridade foi garantida pela presença e pressão dos servidores da AGU e demais, todos interessados no último ponto da pauta: uma situação lastimável e vergonhosa. Notemos que a situação foi muito bem armada pelo Cunha, controlador da estrutura da pauta. Pelos resultados das votações, o presidente da Câmara logrou sucesso ao azeitar o caminho que beneficiaria Temer. Só para registrar: confesso que nunca vi se debater tanto e tão abertamente sobre golpe: o assunto é tratado sem rodeios, com todas as letras e aos berros, principalmente pela situação, a qual gritava a plenos pulmões, denunciando esta estrutura específica do golpe. Por outro lado, existe a outra via burocrática, também constitucional, que segue curso paralelo à anterior, qual seja, aquela que nasce de reprovação pelo TSE das contas da última campanha da Dilma/Temer, por motivo de corrupção, trazida à superfície pela delação premiada de Ricardo Pessoa (UCT). Se essa via se concretiza, o TSE declararia a nulidade da chapa vencedora, bem como dos votos conquistados por ela, restando convocar o segundo colocado na referida campanha: Aécio Neves. Este retomaria aquela situação patente na campanha: a do Brasil dividido latitudinalmente. Certamente, haveria maior possibilidade do que sobrou da militância petista e dos movimentos sociais, mais trabalhadores que votaram no PT, irem para as ruas, contra a ascensão de Aécio Neves. Para muitos, o voto no segundo turno não foi pró Dilma, mas sim um voto na Dilma por ser este contra o Aécio. Essas tensões, mais expressivas nas grandes metrópoles e cidades médias, têm algum potencial desestabilizador, notadamente em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Se é que os apoiadores de Dilma/Temer vão para as ruas, provavelmente as tensões seriam mais elevadas no sudeste e no sul, pois são localidades que concentram a base de apoio de Aécio. Isso exigiria maior repressão policial com alto grau de imprevisibilidade. De fato, um cenário que tende a criar alguma instabilidade, o que não é bom para os negócios, principalmente na ante sala das Olimpíadas, ou seja, dos 40 eventos testes antes do megaevento. Pode ser que isso justifique as declarações em prol da estabilidade, feitas pela FIESP e FIRJAN. No mais, a Nota conjunta cita o possível rebaixamento do grau internacional de investimento para o Brasil: algo inevitável se as tensões se elevarem. Por último, existe uma outra via de golpe, que seria a renúncia da Dilma, seguida de antecipação das eleições, tal como pede parcela do PSDB. Porém, saída não constitucional que não cai muito bem no figurino, por cutucar os brios legalistas das três forças armadas. Trata-se de uma via que exigiria conspiração e articulação com os altos escalões. Não creio que tais setores do PSDB tenham essas cartas na manga. Há de se confirmar. Enfim, vamos conversando. Abraço. Motoca São Paulo, 9 de agosto de 2015