quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Grande sertão: veredas do acaso

Grande sertão: veredas do acaso

Honório D'Avila Pereira Soares

“Lula tenta reduzir o campo eleitoral a um plebiscito sobre seu governo, a uma disputa entre sua candidata e o candidato do PSDB. Aparece Ciro Gomes. Lula articula de todas as maneiras para neutralizá-lo. Sem sucesso até agora. Aparece Marina Silva. Difícil imaginar o que Lula poderia fazer. O sistema político enclausurado que se cuide. O que está em jogo não são mais dedos e anéis.” ( Marcos Nobre, FSP 11-08-09, A-2)

Escrevi este texto há dois dias, mas uma sinusite e suas maléficas consequencias para meu trato respiratório me afastaram desta lida de escriba ao teclado. Tudo está escrito no caderninho nº 69. Mas ontem ela escreveu sua coluna na Folha e hoje, ali mesmo, outro autor despejou suas conjeturas. Então obriguei-me a pelo menos começar a transcrição. É o que faço nestas já altas horas da noite, entrado o dia 12 já em uma hora.

O golpismo peéssedebêdemista repete Lupicínio, em Estes moços:
“... fogem da lua por causa do escuro e
Vão ao inferno em busca de luz.”
Incapazes de luta política aberta a escancarar seus interesses supostamente contrários aos do presidente do senado, se comprazem em forjar um mar de lama da vida privada e micro-pública do velho coronel. Repetem a prática venenosa das minorias golpistas do Brasil do pós-guerra. Devido ao fato de os pobres porcos serem antigamente, desde o longínquo passado, criados na lama e alimentados dos dejetos e sobras dos humanos e outras animálias, os judeus não os comiam por impuros que talvez fossem. Do mesmo modo o tecido ideológico dos animais políticos senatoriais que chafurdam na viscosidade de seus dejetos privados, para-públicos e públicos deve estar vedado às maiorias trabalhadoras esfomeadas, sob pena de fatal intoxicação.
O golpismo das minorias liberais parece renascer neste novo ciclo da vida democrática de nossa autocracia burguesa. Parece ser mesmo um padrão reprodutivo esquizóide de sua pequena política parlamentar. Isso se deve ao fato de que suas alucinações paranóicas ao se conceberem ungidos das maiores verdades ocidentais da política, da economia, dos costumes, enfim, de tudo e sobre tudo, arrasta pelo rabo uma penca de desejos e feitos inconfessáveis, crimes de lesa-pátria e lesa-humanidade. A tal ponto que após cada uma das suas feitorias históricas macabras a república dos não-esquisóides se visse obrigada a sucessivamente reintegra-los ao convívio dos normais através de uma profusão de anistias. Até que afinal, depois de voltarem ao poder em 1964, eles próprios tiveram de se autoanistiar para poderem retornar ao mundo das liberdades civis depois de 21 anos de sua ditadura política e econômica. E permanecemos convivendo com essa horda de celerados autoanistiados, zumbis sob sursis e muito vivos.
Uma pena que personalidades importantes do iluminismo social tenham aderido aos chefetes das pocilgas senatoriais, ao exército liberal dos besouros vira-bosta.
Pensando cá comigo nas artes do acaso a fabricar surpresas demarcadoras de fases e épocas, na triste batalha do provecto Sarney contra a besourada ensandecida, eis que veio-me à mente a possibilidade de um fantástico acaso, o qual em ocorrendo, teria tudo para mudar o destino do país.
Não seria nada do que anda por aí no mundo midiático besoural, qual seja, a renúncia de Sarney, o súbito declínio da popularidade do Lula, o naufrágio da candidata imperativa deste e coisas pelo estilo. Não penso em nenhum acaso catastrófico.
Ocorre haver-me chamado vivamente a atenção a feliz idéia do PV em convidar a ex-ministra Marina Silva para ser candidata desta sigla nas eleições presidenciais de 2010. Dizem que em pesquisa encomendada por essa agremiação a senhora Marina alcançara 12% das preferências populares.
Dado esse fato pensei com os meus botões a possível ocorrência de uma série de eventos, os quais, vistos desde aqui e agora seriam completamente imprevistos.
Imaginemos em primeiro lugar que Marina Silva se autoproclamasse desejosa de candidatar-se pelo PT, partido tão seu quanto do senhor presidente e da senhora ministra-candidata imperial. Causaria comoção duradoura, reverberações incontroláveis e possibilidade muito real de esvanecimento da ministra candidatada. Dado isso ser intolerável, intragável mesmo para o campo majoritário e seu chefe máximo, à ex-ministra poderia não só ser negada a sua candidatura como, bem antes disso, ela vir a ser desligada do PT. A celeuma em torno disso levantaria poeira no terreiro do arraial petista, a qual poderia de vez ativar os espasmos alérgicos das até aqui cordatas alas à esquerda do imperante centro social cristão pró-monopolista. Estes sintomas poderiam até rachar a já frágil unanimidade dílmica e acarrear a centro-esquerda petista para o apoio declarado à candidata Marina Silva, mesmo esta sendo obrigada a sair do PT.
Este processo que embandeira o emancipacionismo social dos partidários e amigos da sustentabilidade ambiental poderia levar o emancipacionismo socialista do PSOL - por mais etéreo-cristão que ele seja- e demais forças desse campo a pensar a grande política e devido a isso acometer a impossível candidatura de Luisa Helena a vice de Marina.
Imaginemos mais. Suponhamos que elas, amigas que são, viessem a gostar mesmo dessa dobradinha, muito mais séria que a Jan-Jan naqueles idos de 60. Da centro esquerda sustentabilista antimonopolista à extrema esquerda comunista, o carro Marina-Helena carregaria as tropas. Mais a daqueles próceres recém neo-liberais sociais ex-comunistas , ardentes de desejos de livrarem-se do abraço de urso do mascate-mor, rei todopoderoso nas suas altas alturas da opinião pública.
As tropas unidas de todo esse espectro bem poderiam romper a barreira dos 15% do eleitorado através de uma campanha de confetes rosa-encarnados a percorrer temas tão significativos quanto a Amazônia, a transposição do São Francisco, o rearmamento afrancesado, o banqueiro dantas-mensalista, o pré-sal para os brasileiros e a universalização republicana da república, mais a esquecida reforma agrária e a subtração do ensino fundamental aos humores colonial-municipais e tantas outras reformas ainda mais dramáticas que aquelas reformas de base que a contra-revolução liberal-capitalista supôs um dia haver enterrado em local tão incógnito quanto as ossadas dos meninos guerrilheiros por ela executados e com estacas no coração dos derrotados de 64.
Esta casual dobradinha do capeta eletrizaria este Brasil modorrento sob a feroz adesão pequeno-burguesa aos marcos da contra-revolução monopolista vitoriosa e reinante com e sem os militares.
As encapetadas talvez pudessem soldar a emancipação social sustentabilista dos pequeno burgueses, esmagada pelo abraço Pac-empreiteiro com as emancipações nacional e dos trabalhadores, criando-se assim um novo bloco histórico das emancipações.
Confesso que pensei nisso num lampejo, de olhos bem abertos e seguro de que este ato de grandeza, lucidez e inteligência está neste momento bem ao alcance de nossas mãos, de nossos destinos.
As meninas diabas dos cafundós bem que poderiam nos dar essa alegria tão plena de esperanças. Veja o que pode o acaso. Não que eu creia na salvação eleitoral, mas o acaso pertence à história e tem nela poder imenso.
Naquela mesa de bar, talvez no exílio uruguaio, os derrotados de várias gerações, Jango, Boal, Brizola, Prestes, Chico Mendes e Betinho, acompanhados por Drummond, Jorge Amado e Neruda, Allende e tantos outros amigos, tenho certeza de que fazem um brinde por esse acaso.
Amém.